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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O segredo dos pescadores de Sesimbra

Naqueles invernosos dias no início dos anos cinquenta do século XX, a fraca pescaria capturada na Costa da Galé impeliam a tripulação do “Pérola de Setúbal” para outros mares um pouco mais afastados das habituais zonas de pesca, junto a Setúbal, onde costumavam labutar.

As agitadas águas oceânicas de Sesimbra eram agora o novo destino de pouco mais do que uma dezena de pescadores daquele gasolina, matriculado em Setúbal, que ali, junto às íngremes falésias, tentavam a sua sorte ao lançarem à água os seus “vãos” de cinquenta braças de fio de algodão, impermeabilizado com alfarroba verde, com que esfregavam com as suas calejadas mãos aquelas longas linhas.

Cada um desses “vãos” continha cerca de uma centena de anzóis, dependurados na longa linha, presos a outros fios mais pequenos. Os “vãos” eram transportados no barco devidamente acondicionados em caixas de madeira de formato retangular.

Mas… se havia coisa que aborrecia os pescadores setubalenses era constatarem que aqueles “caga-lête” faziam grandes pescarias precisamente na mesma zona de pesca onde o “Pérola de Setúbal” tão pouco peixe conseguia capturar.

Armando Canas, um dos membros de uma família de pescadores residentes no Bairro de Troino, oriundo das terras algarvias da Fuzeta, matutava sobre o assunto e decidiu observar mais de perto o que se passava. Algo de anormal deveria haver para que os pescadores sesimbrense conseguissem capturar tanto peixe e os seus colegas setubalenses nem sequer conseguissem algo que parecido fosse. Qual seria então o seu segredo?

Quando os barcos fundearam frente à vila de Sesimbra e o peixe foi descarregado para ser vendido na praia, onde se juntava uma pequena multidão de pescadores, vendedores, compradores, homens, mulheres e as crianças corriam alegremente brincando com os seus carrinhos feitos com duas boias de cortiça, das utilizadas nas redes de pesca, empurradas por uma pequena vara, Armando Canas, discretamente, foi ver mais de perto que tipo de apetrechos de pesca estavam a ser utilizados pelos pescadores locais.

E foi ao olhar, com “olhos de ver”,  o trabalho que estava a ser desenvolvido ao longo da praia, onde os pescadores esticavam as linhas de pesca que depois colocavam organizadamente nas grandes bacias redondas, feitas de madeira, que algo lhe despertou a atenção. 

O arguto Armando reparou que as linhas que aqueles pescadores usavam eram de nylon, um novo material, ao invés das tradicionais linhas de fio de algodão que os de Setúbal ainda usavam, talvez fosse esse mesmo o segredo para as pescarias que os setubalenses não conseguiam fazer.

Assim que o “Pérola de Setúbal” chegou ao seu porto de origem, Armando foi ter com o seu irmão Francisco, um homem de negócios, comprador e vendedor de peixe na Lota de Setúbal e que era nem mais nem menos que o proprietário do “Pérola de Setúbal”, colocando-o ao corrente do que tinha constatado em Sesimbra.

Chico Canas ouviu atentamente o irmão e não perdeu muito tempo com reflexões ou indecisões, tratou de mandar comprar de imediato uma porção de fio de nylon e uma centena de anzóis com os quais foi feito em Setúbal o primeiro “vão” utilizando o novo material.

O “Pérola de Setúbal” naquele inverno voltou a fazer-se ao mar, desta vez com alguns dos seus tradicionais apetrechos de pesca e com mais esta, moderna pesca feita com o novo material, o nylon.

As pescas foram lançadas ao mar e para agradável surpresa dos tripulantes da embarcação setubalense, quando puxaram para bordo os antigos “vãos” estes traziam um ou outro peixe. Porém, quando foi a vez de içarem o novo “vão” viram-se aflitos para meter a bordo uma centena de gordas chaputas, é que em cada anzol havia um peixe fisgado.

Estava assim descoberto o segredo dos pescadores de Sesimbra e introduzido um novo aparelho de pesca entre os pescadores de Setúbal, graças à aguçada observação do Armando e ao espírito empreendedor do Francisco, os irmãos Canas, homens habituados a retirar do mar o sustento para as suas famílias.

Rui Canas Gaspar

Relatado por Francisco Alexandre Gaspar em 28 de Novembro de 2013

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