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quarta-feira, 25 de maio de 2022

 

 


Relembrando o saudoso e único Francisco Finura

De cachimbo preso ao canto da boca e barba à “Popey”, vestido com o fato-macaco azul, donde sobressaía do bolso superior um vistoso e impecável lenço, imaculadamente branco, era assim que este setubalense de múltiplos talentos geralmente se apresentava em público.

Não é pois de admirar que graças à sua postura e popularidade tivesse despertado a atenção de famosos e talentosos fotógrafos e pintores setubalenses, nomeadamente Américo Ribeiro, Baptista, Maurício de Abreu e Rogério Chora, que tão bem captaram a sua imagem, a qual ficaria gravada para a posteridade graças a estes artistas.

Francisco Finura, geralmente fazia-se transportar pelas ruas de Setúbal numa singular bicicleta, fabricada por si, afirmando ser este o modelo mais adequado, porquanto considerava que “o bom ciclista devia pedalar com a perna esticada”.

O velocípede tinha um guiador alto, um travão ligado à roda traseira o que lhe permitia com mais facilidade fazer demonstrações de perícia sobre as duas rodas, podendo também andar para a frente e para trás, graças ao carreto preso.

De tronco direito, peito saliente, compleição atlética, com pronúncia onde o erre era bem vincado, a forma de falar tão característica dos setubalenses residentes naquela zona da cidade, “Finuras” não passava despercebido onde quer que estivesse e, entre a rapaziada daqueles bairros populares a sua figura exercia particular atração e admiração não só devido à distinta pose mas sobretudo às suas diversas atividades.

E que dizer de mais de uma centena de pessoas que salvou de morrerem afogadas? Trinta e uma delas foram oficialmente contabilizadas o que lhe valeu o reconhecimento e condecoração do Instituto de Socorros a Náufragos. Só de uma vez conseguiu salvar meia dúzia de pessoas ao largo da Praia de Albarquel e, com a ajuda de um remo, içá-las para bordo de um barco. “Parecia um cacho de uvas!...” comentou ele no início dos anos 70 do século XX, no decurso de uma entrevista ao programa televisivo “25 milhões de portugueses”.



sábado, 7 de maio de 2022

 



Um valioso prémio sorteado na Feira de Santiago 


Naquele ano de mil novecentos e vinte e qualquer coisa o jovem pescador setubalense Artur Canas, quando a noite refrescava, em Agosto, saiu de sua casa no Bairro de Troino e foi até à Feira de Santiago para se divertir um pouco.

Naquele tempo, na feira, para além das habituais diversões, existiam várias barracas onde os visitantes podiam comprar rifas na esperança de lhes sair algum interessante prémio.

Artur decidiu testar a sua sorte e, para seu espanto, ao desembrulhar o papelinho verificou que o número inscrito correspondia a um bom prémio.

Imagine-se que, numa altura em que não seriam muitos os pescadores que dispunham de relógio foi precisamente um que calhou em sorte a este setubalense. Porém, não se tratava de um relógio de pulso, mas sim de uma bela peça de cerâmica, com cerca de 15 cm de altura, em forma de casinha.

O pescador, bastante contente com a sua sorte, acabaria por levar o relógio para bordo do barco de pesca, onde lhe fez companhia ao longo de anos, até que os salpicos de água salgada danificaram a máquina tornando-a inoperacional.

Mas, porque a peça era bem bonita, mesmo sem a mesma funcionar, ficou a servir lá em casa como motivo decorativo.

Os anos passaram, Artur e sua esposa faleceram, a peça de cerâmica passou para a filha que também viria a falecer e esta lembrança acabaria por ficar ao seu neto Rui.

O curioso é que, bem visível, na base da peça está o símbolo da mais prestigiada fábrica de cerâmica portuguesa, a Vista Alegre e, como se isso não fosse suficiente ali está igualmente inscrito “centenário 1824 – 1924” ou seja uma rara peça comemorativa do primeiro centenário desta instituição que em breve fará 200 anos.

Era assim a Feira de Santiago, naqueles tempos em que eram colocadas para sorteio peças verdadeiramente interessantes e até valiosas ao invés dos peluches e plásticos com que hoje nos brindam.

Anos mais tarde calhar-me-ia a mim herdar a tradição de ser o feliz contemplado com diferentes prémios nas barracas de roleta na Feira de Santiago quando esta se realizava na Avenida Luísa Todi, e raro era a vez que comprava rifas e não me saíam prémios, mas nunca por lá vi algo de valor tão significativo como aquele prémio com que o meu avô Artur Canas foi bafejado.

Rui Canas Gaspar

Troineiro.blogspot.com