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quarta-feira, 19 de abril de 2017

Como Setúbal perdeu um bombeiro e um jornalista 

Provavelmente estávamos no Outono ou Inverno, porque o rapaz de sete ou oito anos encontrava-se em casa, de boina na cabeça, para melhor se proteger do frio, num tempo em que no antigo bairro de Troino, em Setúbal, se desconhecia a existência de aparelhos de ar condicionado ou aquecedores elétricos.

A dona de casa tinha guardado as natas separadas do leite que o leiteiro diariamente vendia de porta em porta e conservava-as numa tijela, com umas pitadas de sal, o tipo de conservação então usado na ausência de frigorífico.

E porque naquele dia já tinha as natas suficientes, decidiu fazer um bolo, onde juntaria as ditas, a farinha, um ovo e o açúcar, tudo bem mexido e colocado no tacho de barro seria posteriormente cozido na padaria do Elias, ali bem ao fundo da Rua do Queimado onde também a Ti Laura cozia os deliciosos bolos que depois vendia à porta do Grande Salão Recreio do Povo.

O rapaz andava às volta da saia da mãe, à espera de poder passar o dedo pela massa depois de mexida com o açúcar e deliciar-se chupando, isto na ausência de um “Salazar” aquele raspador tão usado nestas alturas na cozinha.

Foi então que subitamente se começou a escutar a forte sirene dos carros dos bombeiros que subiam a ladeira, nas traseiras, a caminho do Viso e logo o rapaz começou aos saltos empolgado para ir ver onde era o fogo.

A mãe com receio de que ele fosse atropelado, disse-lhe logo, “não sais de casa”, “mas eu vou” dizia o rapaz, não vais, vais, não vais, e tanto a apoquentou que a mãe perdeu a paciência e o tacho de barro que estava a ser barrado com manteiga para o bolo não se pegar ao fundo, agarrado com as duas mão bateu na cabeça do rapaz.

O tacho de barro desfez-se em mil pedaços, mas, nada de mossas na dura cabeça protegida pela boina. O problema foi o bolo que lá se foi e com ele uma “reportagem” perdida bem como o provável “batismo” como bombeiro voluntário.

Provavelmente para suprir este “trauma de infância” é que eu ainda hoje continuo a escrever estas coisas e a pagar as minhas quotas de sócio dos Bombeiros Voluntários de Setúbal.

Rui Canas Gaspar
2017-abril-19

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