Bem
dizia frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz
No dia 15 de dezembro de 1963, alguns moradores acordam sobressaltados, com as primeiras grandes pedras de parte das antigas muralhas que protegiam a cidade de Setúbal, a desabar sobre o prédio onde residiam, na Rua das Oliveiras, no bairro de Troino.
Felizmente a
ocorrência não causou vítimas embora algumas habitações ficassem sem condições
de habitabilidade. Os bombeiros chamados a socorrer os moradores mandaram
evacuar de imediato o edifício, temendo novo e maior desmoronamento da muralha,
o que de facto veio a suceder nas horas subsequentes.
O Governo Civil de
Setúbal apressou-se a socorrer os moradores, facilitando o alojamento das famílias
afetadas por esta ocorrência. Cedeu então, temporariamente, uma ala do primeiro
andar do velho convento de São Francisco até que as mesmas conseguissem com os
seus próprios meios arrendar novas casas.
O convento
encontrava-se nessa altura a servir de instalações de apoio ao Regimento de
Infantaria 11 que o utilizava, sobretudo como paiol e depósito de armamento.
Neste ano de 1963
ainda ali podiam ser vistos alguns cavalos do exército. Constatava-se também a
existência, nas cavalariças, de algumas antigas galeras de transporte, bem como
diversos apetrechos hípicos usados pelos militares.
As famílias
desalojadas ainda estiveram naquelas instalações, do então Ministério do
Exército, por um período de cerca de dois anos até que com os seus próprios
meios encontraram novas habitações, no vizinho bairro de Troino de onde eram
oriundas.
Uma década mais
tarde, em 1975, o velho convento, que entretanto tinha sido abandonado pelos
militares, viria a ser de novo ocupado por civis, quando chegaram a Portugal
centenas de milhares de pessoas retornadas do Ultramar, especialmente de
Angola, fugidas à guerra civil que deflagrou imediatamente após a
descolonização.
A ocupação das
instalações manteve-se por mais de vinte anos e a comunidade composta por 170
pessoas que ali habitou tornou-se bastante fechada, até que, em 18 de outubro
de 1996, o primeiro-ministro António Guterres, assinou um protocolo, no âmbito
do Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto,
para o realojamento das 61 famílias, que ali viviam miseravelmente.
De então para cá
pouco ou nada se fez pelo aproveitamento das vetustas instalações, onde depois
de reconvertidas poderiam transformar-se numas dezenas de apartamentos.
Quando agora se
anuncia que o Estado se prepara para legislar no sentido de dar aproveitamento
a casas particulares desocupadas a questão que se põe é porque é que os nossos
governantes não começam por dar o exemplo e recuperar para colocar no mercado
de arrendamento as suas próprias casas devolutas de que é exemplo em Setúbal o
antigo convento de São Francisco bem como a meia dúzia de blocos entretanto construídos
e desocupados e onde se gastou milhões de euros?
Bem dizia Frei Tomás, faz o que ele diz mas
não faças o que ele faz.
Rui Canas Gaspar
Troineiro.blogspot.com