notícias, pensamentos, fotografias e comentários de um troineiro

quinta-feira, 25 de maio de 2023

 


Tempos de fartura de peixe em Setúbal


Contavam os antigos pescadores por altura dos anos 50 do passado século XX que o principal motivo para o desaparecimento da fartura de sardinha, aqui na nossa costa, prendia-se com a degradação dos fundos marinhos originada pelos arrastões.

Anos mais tarde uma nova “epidemia” se abateria sobre os homens do mar, que sem saberem como começaram a capturar toneladas de “apara lápis” (pequeno peixe com bico comprido) sem grande valor comercial, fazendo praticamente desaparecer a sardinha que até então capturavam.

Com a falta de matéria prima, as dezenas de fábricas de conserva começaram a fechar, os barcos deixaram de ser rentáveis para os armadores e a profissão de pescador tal como a das conserveiras em poucos anos praticamente ficou extinta.

Resta-nos imagens como esta legada pelo grande Américo Ribeiro, neste caso mostrando-nos dezenas de barcos carregados de peixe e grande azáfama junto à doca dos pescadores.

Rui Canas Gaspar

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domingo, 7 de maio de 2023

 



O Sr. Elias e a Ti Laura referências de Troino 


Foi a propósito de um post sobre os deliciosos bolos que a Ti Laura confecionava e vendia à porta do antigo Grande Salão Recreio do Povo, popularmente conhecido entre os antigos setubalenses simplesmente por “salão”, que dei comigo a pensar no local onde eram cozidas aquelas delícias, que passados tantos anos ainda não saíram da memória de muitos setubalenses.

O forno a lenha alimentado por grandes ramagens de pinheiro seco, era uma construção de alvenaria em forma de abóboda que ficava mesmo em frente da casa da Ti Laura, na Rua Jacob Queimado, na padaria do Sr. Elias, padaria que tinha portas de entrada na Rua do Queimado (como assim era designada pelo pessoal do bairro de Troino) e Paulino de Oliveira.

Era também nesse seu forno, antes do mesmo arrefecer depois de cozido o pão,  que o simpático e solicito proprietário deixava a vizinhança assar umas batatinhas doces ou mesmo torrar alguma farinha de trigo destinada a alimentação dos mais pequenos troineiros, como acontecia lá em casa.

Guardo ainda na memória que era na padaria do Sr. Elias que também se confecionava e comercializava o delicioso “pão espanhol”, mais branco, mais fino, de sabor mais agradável, embora provavelmente não tão bom para a saúde como seria aquele outro conhecido por “pão escuro”.

Quer a Ti Laura, quer o Sr. Elias há muito que nos deixaram, mas a sua memória ainda hoje perdura, volvidos tantos anos, na mente e no coração de tantos e tantos troineiros que com estas personagens tiveram a oportunidade de se cruzar na estrada da vida.

Rui Canas Gaspar

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domingo, 19 de fevereiro de 2023

 

Bem dizia frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz

No dia 15 de dezembro de 1963, alguns moradores acordam sobressaltados, com as primeiras grandes pedras de parte das antigas muralhas que protegiam a cidade de Setúbal, a desabar sobre o prédio onde residiam, na Rua das Oliveiras, no bairro de Troino.

Felizmente a ocorrência não causou vítimas embora algumas habitações ficassem sem condições de habitabilidade. Os bombeiros chamados a socorrer os moradores mandaram evacuar de imediato o edifício, temendo novo e maior desmoronamento da muralha, o que de facto veio a suceder nas horas subsequentes.

O Governo Civil de Setúbal apressou-se a socorrer os moradores, facilitando o alojamento das famílias afetadas por esta ocorrência. Cedeu então, temporariamente, uma ala do primeiro andar do velho convento de São Francisco até que as mesmas conseguissem com os seus próprios meios arrendar novas casas.

O convento encontrava-se nessa altura a servir de instalações de apoio ao Regimento de Infantaria 11 que o utilizava, sobretudo como paiol e depósito de armamento.

Neste ano de 1963 ainda ali podiam ser vistos alguns cavalos do exército. Constatava-se também a existência, nas cavalariças, de algumas antigas galeras de transporte, bem como diversos apetrechos hípicos usados pelos militares.

As famílias desalojadas ainda estiveram naquelas instalações, do então Ministério do Exército, por um período de cerca de dois anos até que com os seus próprios meios encontraram novas habitações, no vizinho bairro de Troino de onde eram oriundas.

Uma década mais tarde, em 1975, o velho convento, que entretanto tinha sido abandonado pelos militares, viria a ser de novo ocupado por civis, quando chegaram a Portugal centenas de milhares de pessoas retornadas do Ultramar, especialmente de Angola, fugidas à guerra civil que deflagrou imediatamente após a descolonização.

A ocupação das instalações manteve-se por mais de vinte anos e a comunidade composta por 170 pessoas que ali habitou tornou-se bastante fechada, até que, em 18 de outubro de 1996, o primeiro-ministro António Guterres, assinou um protocolo, no âmbito do Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, para o realojamento das 61 famílias, que ali viviam miseravelmente.

De então para cá pouco ou nada se fez pelo aproveitamento das vetustas instalações, onde depois de reconvertidas poderiam transformar-se numas dezenas de apartamentos.

Quando agora se anuncia que o Estado se prepara para legislar no sentido de dar aproveitamento a casas particulares desocupadas a questão que se põe é porque é que os nossos governantes não começam por dar o exemplo e recuperar para colocar no mercado de arrendamento as suas próprias casas devolutas de que é exemplo em Setúbal o antigo convento de São Francisco bem como a meia dúzia de blocos entretanto construídos e desocupados e onde se gastou milhões de euros?

Bem dizia Frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz.

Rui Canas Gaspar

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 


No Rio Sado até laranjas se “pescavam” 


Acontecia que até por volta dos anos 60 do passado século XX, os dias de vendaval se já por si eram maus, por outro lado representavam uma janela de oportunidade para alguns. É que o vento soprando forte fazia cair das muitas laranjeiras da várzea os seus deliciosos frutos que acabavam por ser arrastados para a Ribeira do Livramento pelas águas das chuvas que buscavam o caminho do Sado.

Alguns homens do mar, sobretudo os mais jovens, dedicavam-se então, nesses dias de mau tempo, à “pesca” não de peixes no seu rio azul ou na costa oceânica, mas sim das famosas laranjas de Setúbal ali mesmo no rio, junto à muralha.

O ribeiro, que a partir da zona do Bonfim se encontra encanado, vem desaguar ao Rio Sado, quase junto à Doca do Clube Naval Setubalense e era aí que, encharcados até aos ossos, alguns pobres setubalenses, de xalavar na mão, tentavam apanhar os frutos que ali chegavam arrastados, em grande quantidade, pela forte corrente.

As sacas de sarapilheira ficavam então, em pouco tempo, cheias de laranjas e logo eram colocadas às costas daqueles fortes homens que descalços e curvados sob o peso da carga, lá iam rua fora anunciando ruidosamente seu valioso e fresco produto.

Rui Canas Gaspar


sábado, 29 de outubro de 2022

 Gosto de observar, de trabalhar, de ler e até de escrever, de entre outras coisas, tendo publicado o primeiro texto no Jornal O SETUBALENSE naquele distante dia 25 de setembro de 1967, um artigo de opinião com o título "Setúbal tem campistas mas não pode fazer campismo".

Porque esta semana estive na gráfica para preparar o mais recente trabalho para impressão e porque iniciei com ele um novo ciclo de ISBN fui fazer um apanhado aos trabalhos já editados ficando surpreendido com o facto de desde 2011 ter editado trabalhos literários todos os anos, conforme lista anexa.
LIVROS EDITADOS
- Portugal – O Farol da Europa 978-989-97315-0-9 (maio 2011)
- África Mórmon 978-989-97315-1-6 (outubro 2011)
- Aventuras de Escuteiro – Contadas por quem as viveu 978-989-97315-2-3 (dezembro 2011)
- Arrábida Desconhecida 978-989-97315-3-0 (junho 2012)
- Barco EVORA – O Velho Senhor do Tejo 978-989-97315-4-7 (dezembro 2012)
- Movidos Pela Fé 978-989-97315-6-1 (dezembro 2013)
- Setúbal – Gente do Rio Homens do Mar 978-989-99046-0-6 (setembro 2014)
- Histórias Coisas e Gentes de Setúbal 978-989-99046-1-3 (outubro 2015)
- Mistérios da Arrábida 978-989-97315-5-4 (junho 2016)
- TROIA – Um Tesouro por Descobrir 978-989-99046-2-0 (novembro 2016)
- SADO 978-989-99046-3-7 (junho 2017)
- A ÚLTIMA FRONTEIRA – Várzea de Setúbal 978-989-99046-4-4 (março 2018)
- Ajudamos a Desenvolver Setúbal 978-989-99046-6-8 (dezembro 2019)
- Palácio Feu Guião – A Fénix Renascida 978-989-53839-0-0 (Novembro 2022)
Coautoria
- Templo Portugal (Janeiro 2020) -Rui Canas Gaspar, António Paramés, José Sá Barros-
Biografias
- Francisco Finura (Outubro 2014)
Monografias
- Preparemo-nos para a Ação ( Outubro 2021)

 Setúbal na História ou histórias de Setúbal ( 244)

Conhecendo um pouco do impulsionador do Convento de Brancanes
O Verão começara há apenas quatro dias e, naquele 25 de junho de 1631 uma senhora de origem irlandesa, esposa de fidalgo e juiz português, transpirava profusamente na sua confortável casa da Vidigueira. Poucos minutos depois, ela estaria a dar à luz uma criança do sexo masculino.
Para que a criança fosse conhecida e diferenciada entre as demais foi-lhe colocado o nome de António da Fonseca Soares. Ela cresceu naquela terra de gente do campo sendo alvo de todos os cuidados próprios da sua condição social.
O rapaz desenvolveu-se, correndo livremente pelos campos e brincando naquela terra alentejana até que um dia seria enviado para a grande cidade a fim de estudar em Évora, no Colégio dos Jesuítas.
Os estudos seriam abruptamente interrompidos, quando António com apenas 18 anos tomou conhecimento do falecimento do pai, tendo então regressado à sua Vidigueira natal.
Não ficou por muito tempo! O país estava em plena Guerra da Restauração, opondo o reino de Portugal à vizinha Espanha e o jovem logo tratou de se alistar no Exército Português onde uma carreira promissora o esperava, não fossem os seus excessos, fruto de um temperamento impetuoso.
O despertar dos sentidos para as questões amorosas e para a poesia levaram-no a envolver-se nas mais diversas discussões e aventuras. Uma dessas acabou por correr mal obrigando-o em 1653 a fugir para o Brasil, quando tinha apenas 22 anos de idade. Ele ferira de morte, em duelo, um adversário.
Depois de ter passado três anos na Baía, o jovem alentejano regressou a Portugal e, embora sem ter alterado o seu modo de vida a leitura de um texto de Frei Luís de Granada despertou-lhe o interesse para os assuntos da fé e de Deus.
Já em terras lusas, quando corria o ano de 1656 António volta de novo a participar naquela interminável guerra que durou 28 anos (1640 a 1668). E, porque se tratava de um jovem de reconhecida coragem e valor, foi em Setúbal que viria a ser promovido à patente de capitão.
Mas, contava ele 31 anos de idade quando em maio de 1662, decide dar uma volta completa à sua vida repleta de aventuras e experiências. Abandonou a carreira militar para se dedicar à vida religiosa, ingressando na Ordem de São Francisco, em Évora.
A partir desse momento o então conceituado capitão António da Fonseca Soares despe o garboso uniforme militar e passa a envergar o hábito simples de frade franciscano, passando a assumir a identidade de Frei António das Chagas, ou Padre António da Fonseca, nomes porque ficaria conhecido entre o povo.
E foi precisamente graças às diligências de Frei António das Chagas, contando com o alto patrocínio do rei D. Pedro II, que no dia 27 de junho de 1682, em Brancanes, a noroeste de Setúbal, a meia encosta de uma pequena colina desta vila de pescadores e salineiros que seria lançada a primeira pedra para a construção do edifício do Seminário para Missionários Apostólicos de Nossa Senhora dos Anjos.
Rui Canas Gaspar

quarta-feira, 27 de julho de 2022

 

Para quando um monumento aos antigos combatentes das guerras coloniais erigido em Setúbal?


Pouco passava das oito da manhã quando o telefone tocou e do outro lado a inconfundível voz do meu velho amigo Ricardo Seromenho logo perguntou:

- É pá, tás bom? Sabes que dia é hoje?

- Quarta-feira, dia 27 de julho, respondi

- Faz hoje 52 que morreu o Salazar – Diz-me o Ricardo.

- Queres tu dizer que faz hoje 52 anos que partimos para a Guiné para a Guerra Colonial.

O Ricardo é melhor que os avisos do Facebook e faz questão de me telefonar para recordar datas marcantes da nossa vida rica em aventuras ocorridas na nossa juventude.

De facto nesta data este setubalense  embarcou com centenas de outros jovens e a bordo do navio Bragança rumo a Bissau, enquanto eu, no mesmo dia seguia o mesmo trajeto a bordo do navio de carga “Ana Mafalda” com mais um pequeno punhado de militares destacados para rendição individual de outros camaradas.

Com a morte do ditador ainda alimentamos esperança de que os barcos não seguissem para aquele território africano, porém nem isso obstou a que fosse cumprida a missão que nos destinaram e que levou a que muitos jovens por lá ficassem mortos ou de lá viessem com sequelas mais ou menos graves no corpo e na alma.

Passado mais de meio século ainda por cá andam muitos desses jovens a quem o governo de então obrigou a ir combater para terras distantes sem que volvido todo este tempo pouco ou nada a Nação tenha reconhecido o seu esforço e sacrifício.

Erigir um monumento aos setubalenses que foram obrigados a ir combater para terras de África, num local de destaque do concelho, seria o mínimo que se poderia fazer para honrar a memória daqueles que foram obrigados a deixar namoradas, esposas e mães, sendo que alguns destes nossos conterrâneos não voltaram de lá com vida.

Rui Canas Gaspar

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A sorte perseguia-me na Feira de Santiago 



Ainda criança e morando em Troino, bem perto da Avenida Luiza Todi, local onde então se realizava a Feira de Santiago certo dia decidi ir passear até ao popular recinto.

Ali chegado e depois de dar algumas voltas pelo espaço de terra batida abeirei-me de uma daquelas simpáticas barracas onde a troco de alguns centavos se puxava de um molhe, um cordelinho, de onde surgiria um número correspondente a um dos prémios expostos.

Eu não tinha dinheiro (coisa normal para aquela época) por isso abeirei-me de um adulto que se preparava para tentar a sorte e disse-lhe: Vai sair-lhe aquela Nossa Senhora de Fátima, uma estatueta de barro pintado.

O homem pagou, puxou o cordel e saiu-lhe mesmo a tal estatueta e tão estupefacto ficou que me ofereceu o prémio.

Anos mais tarde, já casado não poderia, como agora, faltar à Feira de Santiago.

As tais barraquinhas tinham evoluído e agora os prémios eram atribuídos onde a roleta parasse e, apontasse o número correspondente.

Por tradição, sempre que lá ia tentava a sorte comprando a rifa e todos os anos me saía prémio.

E, acreditem ou não, foi graças a essas rifas que consegui um triciclo para as crianças, uma caixa térmica, uma tábua de passar a ferro, um conjunto de panelas e sei lá que mais…

Deixei de comprar as rifas na altura em que olhava para os prémios e dizia para a minha esposa que não valia a pena porque já tínhamos aquelas coisas, imaginem!...

Acho que isto é herança de família porque já o meu avô materno, Artur Canas, lhe saiu numa rifa da feira um valioso relógio, uma peça comemorativa do centenário da conceituada fábrica de cerâmica Vista Alegre, o qual guardo como saudosa lembrança.

Rui Canas Gaspar

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2022-07-27

quarta-feira, 25 de maio de 2022

 

 


Relembrando o saudoso e único Francisco Finura

De cachimbo preso ao canto da boca e barba à “Popey”, vestido com o fato-macaco azul, donde sobressaía do bolso superior um vistoso e impecável lenço, imaculadamente branco, era assim que este setubalense de múltiplos talentos geralmente se apresentava em público.

Não é pois de admirar que graças à sua postura e popularidade tivesse despertado a atenção de famosos e talentosos fotógrafos e pintores setubalenses, nomeadamente Américo Ribeiro, Baptista, Maurício de Abreu e Rogério Chora, que tão bem captaram a sua imagem, a qual ficaria gravada para a posteridade graças a estes artistas.

Francisco Finura, geralmente fazia-se transportar pelas ruas de Setúbal numa singular bicicleta, fabricada por si, afirmando ser este o modelo mais adequado, porquanto considerava que “o bom ciclista devia pedalar com a perna esticada”.

O velocípede tinha um guiador alto, um travão ligado à roda traseira o que lhe permitia com mais facilidade fazer demonstrações de perícia sobre as duas rodas, podendo também andar para a frente e para trás, graças ao carreto preso.

De tronco direito, peito saliente, compleição atlética, com pronúncia onde o erre era bem vincado, a forma de falar tão característica dos setubalenses residentes naquela zona da cidade, “Finuras” não passava despercebido onde quer que estivesse e, entre a rapaziada daqueles bairros populares a sua figura exercia particular atração e admiração não só devido à distinta pose mas sobretudo às suas diversas atividades.

E que dizer de mais de uma centena de pessoas que salvou de morrerem afogadas? Trinta e uma delas foram oficialmente contabilizadas o que lhe valeu o reconhecimento e condecoração do Instituto de Socorros a Náufragos. Só de uma vez conseguiu salvar meia dúzia de pessoas ao largo da Praia de Albarquel e, com a ajuda de um remo, içá-las para bordo de um barco. “Parecia um cacho de uvas!...” comentou ele no início dos anos 70 do século XX, no decurso de uma entrevista ao programa televisivo “25 milhões de portugueses”.



sábado, 7 de maio de 2022

 



Um valioso prémio sorteado na Feira de Santiago 


Naquele ano de mil novecentos e vinte e qualquer coisa o jovem pescador setubalense Artur Canas, quando a noite refrescava, em Agosto, saiu de sua casa no Bairro de Troino e foi até à Feira de Santiago para se divertir um pouco.

Naquele tempo, na feira, para além das habituais diversões, existiam várias barracas onde os visitantes podiam comprar rifas na esperança de lhes sair algum interessante prémio.

Artur decidiu testar a sua sorte e, para seu espanto, ao desembrulhar o papelinho verificou que o número inscrito correspondia a um bom prémio.

Imagine-se que, numa altura em que não seriam muitos os pescadores que dispunham de relógio foi precisamente um que calhou em sorte a este setubalense. Porém, não se tratava de um relógio de pulso, mas sim de uma bela peça de cerâmica, com cerca de 15 cm de altura, em forma de casinha.

O pescador, bastante contente com a sua sorte, acabaria por levar o relógio para bordo do barco de pesca, onde lhe fez companhia ao longo de anos, até que os salpicos de água salgada danificaram a máquina tornando-a inoperacional.

Mas, porque a peça era bem bonita, mesmo sem a mesma funcionar, ficou a servir lá em casa como motivo decorativo.

Os anos passaram, Artur e sua esposa faleceram, a peça de cerâmica passou para a filha que também viria a falecer e esta lembrança acabaria por ficar ao seu neto Rui.

O curioso é que, bem visível, na base da peça está o símbolo da mais prestigiada fábrica de cerâmica portuguesa, a Vista Alegre e, como se isso não fosse suficiente ali está igualmente inscrito “centenário 1824 – 1924” ou seja uma rara peça comemorativa do primeiro centenário desta instituição que em breve fará 200 anos.

Era assim a Feira de Santiago, naqueles tempos em que eram colocadas para sorteio peças verdadeiramente interessantes e até valiosas ao invés dos peluches e plásticos com que hoje nos brindam.

Anos mais tarde calhar-me-ia a mim herdar a tradição de ser o feliz contemplado com diferentes prémios nas barracas de roleta na Feira de Santiago quando esta se realizava na Avenida Luísa Todi, e raro era a vez que comprava rifas e não me saíam prémios, mas nunca por lá vi algo de valor tão significativo como aquele prémio com que o meu avô Artur Canas foi bafejado.

Rui Canas Gaspar

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segunda-feira, 28 de março de 2022

 

 


Evita esteve em Setúbal

Viveu apenas 33 anos, entre 1919 e 1952, odiada por uns, idolatrada por outros Evita foi uma referência não só para os argentinos mas também um pouco para todo o mundo.

A linda canção Don’t Cry For Me Argentina continua ainda hoje a ser um sucesso de audiências com dezenas milhões de visualizações no YouTube (  https://www.youtube.com/watch?v=PgK-dIPMIp4  )

Maria Eva Duarte de Perón, conhecida por Evita visitou Setúbal, conformer noas dá conta o jornal O Setubalense de 19 de julho de 1947 com a seguinte notícia:

A Sra. Duarte de Peron visitou Setúbal.

… esteve hoje nesta cidade a esposa do Presidente da República da Argentina, Sra. D. Eva Peron, acompanhada do Corpo Diplomático do seu país, de D. Fernanda de Castro, António Ferro, Guilherme de Carvalho e António Eça de Queiróz, do Secretariado Nacional de Informação.

Rui Canas Gaspar

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sábado, 19 de março de 2022

 



Jamboree 67 – Um programa de animação destinado ao Hospital do Outão

 

Naquele ano de 1967 os Caminheiros (escuteiros maiores de 17 anos) setubalenses tiveram a ideia de instalar uma rádio local, quando estas estavam a dar os primeiros passos de forma clandestina. Será bom lembrar que estávamos em pleno Estado Novo, um regime ditatorial onde a polícia política imperava.  

 

A iniciativa nunca chegou a ir de vencida, mas, entretanto, foi criado o “Jamboree 67”, jamboree palavra associada pelos escuteiros a uma concentração mundial e 67 por ser o ano da iniciativa.  

 

Pedíamos a colaboração do comercio local para a oferta de prendas que distribuíamos nos concursos, que a par das músicas, da poesia, e das notícias era posteriormente transmitida.  

 

Como não tínhamos emissora de rádio, gravávamos os programas na nossa sede da Ordem Terceira e depois seguíamos para o Hospital do Outão onde através do sistema de som transmitíamos para todo o complexo. Os doentes, suas visitas e quem lá trabalhava era a nossa assistência.  

 

Na foto ilustrativa podemos ver a bondosa e muito bonita madre superiora que ali prestava serviço a ser entrevistada. E, por ser tão bela não deixou ela própria de ser alvo da atenção de um apaixonado, o João da Pera, que vivia numa das grutas ali perto e, qual Romeu na esperança de alcançar a sua Julieta chegou a trepar por uma parede vertical para chegar ao seu quarto o que conseguiu por duas vezes, mas isso é outra história!...  

 

Rui Canas Gaspar

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

 


 

Praça de Touros ou Praça Cultural? Afinal no que ficamos?

 


Devido à sua localização e características, este local tem servido para os mais diferentes eventos, desde a eleição da rainha do Sado, passando por espetáculos musicais e mais recentemente para a apresentação das marchas de Setúbal.

 

O decréscimo de receitas, fruto de um menor interesse do público pela tauromaquia, aliado à falta de manutenção adequada levaram o espaço a uma situação de degradação que originou a sua interdição para espetáculos sem que antes se procedesse às necessárias obras.

 

Em 2008 a empresa proprietária da praça apresentou um projeto visando a transformação do espaço naquele que teria a designação de “Praça Cultural” de forma a ficar dotado de um palco para espetáculos musicais, dois restaurantes e três lojas. O projeto de reabilitação nunca sairia do papel embora tivesse merecido a aprovação camarária em junho de 2009.

 

Em 2011 a Câmara Municipal de Setúbal celebrou um protocolo com a Aplaudir, empresa de promoção de espetáculos tauromáquicos e outros eventos culturais, entidade exploradora da praça de touros Carlos Relvas, no sentido desta proceder às necessárias obras que lhe permitiria abrir portas de acordo com as exigências do IGAP – Inspeção-Geral das Atividades Culturais.

 

O acordo previa a atribuição por parte da Autarquia de 120 mil euros, para uma obra estimada em 216 mil, verba entregue em parcelas anuais de 20 mil euros, de forma a suportar a realização de trabalhos urgentes e necessários.

 

Como contrapartida a Autarquia teria o direito de utilizar o espaço anualmente quer por si, quer pelo movimento associativo, por um período  de 25 dias.

 

As obras a realizar centraram-se sobretudo nas condições de segurança e acessibilidades, bem como no reforço das bancadas, reparação de telhados, criação de instalações sanitárias para pessoas portadoras de deficiência, substituição de madeiras, instalação de nova rede elétrica com a colocação de iluminação de emergência, para além de outras intervenções em diferentes áreas.

 

Graças a este protocolo o mítico espaço de espetáculos conheceria em 2011 nova vida e ali, pelas 22 horas do dia 10 de junho, exibir-se-iam as marchas do Núcleo dos Amigos do Bairro Santos Nicolau; Grupo Desportivo Setubalense “Os 13”;  Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense; Núcleo Desportivo e Recreativo Ídolos da Praça e União Desportiva e Recreativa das Pontes.

 

Tempo passou e parece que tudo estagnou e nem Praça Cultural nem Praça de Touros.

 

Afinal no que ficamos?

 

Rui Canas Gaspar





sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

 


Quando a boa apresentação não joga a favor


No início dos anos 50 do século passado os períodos de defeso da pesca da sardinha, que coincidiam com os terríveis dias de Inverno, eram espaços de tempo onde a fome e a miséria atingiam o auge na cidade de Setúbal, cuja população vivia maioritariamente, direta ou indiretamente, da pesca.

Benilde seria naquela época uma das poucas mulheres de Troino que tinha completado o ensino básico, na escola da Casa dos Pescadores e, ali mesmo, também aprendera a costurar.

Certo dia pensou ajudar financeiramente o marido, pescador, e por isso, decidiu candidatar-se a um emprego de rececionista num consultório médico que funcionava na baixa da cidade.

Vestiu-se a rigor com as roupas que ela mesmo habilmente costurava, deu um jeitinho no cabelo e colocou umas cores no rosto de forma a parecer bem na entrevista.

Azar!!! O entrevistador ao ver a agradável apresentação da candidata nem perdeu muito tempo e logo lhe disse: - Ái menina, isto não é emprego para si, é um trabalho muito simples…

Benilde ficou boquiaberta e desolada acabou por voltar para casa onde continuou a ajudar a família, governando com sabedoria as parcas finanças domésticas e tratando de costurar a roupa com que ela, o seu marido e os seus filhos sempre envergaram e que eram alvo de atenção e reparo por parte de vizinhos e amigos.

A setubalense Benilde até ao dia em que nos deixou sempre manteve a mesma postura de uma mulher prendada, muito elegante e de fino bom gosto, uma senhora que sempre soube dar muito boa conta da sua casa passando um rico legado de valores aos seus dois filhos.

Rui Canas Gaspar

2021-dezembro-17

sábado, 20 de novembro de 2021

 



 

Recordando o bombeiro José de Sousa

 

Embora estivéssemos em janeiro a manhã apresentava-se com uma amena temperatura, pelo que se tornava agradável andar um pouco pelo meu velho Bairro de Troino, depois de ter tratado dos assuntos de ordem profissional que me propus desenvolver nesta manhã.

 

Gosto de observar as gentes da minha terra, as casas onde muitos dos meus amigos e pessoas conhecidas viveram. Enquanto ia olhando um pouco para todo o lado dei comigo a sorrir com o pensamento que tinha tido há muitos anos quando me dei ao trabalho de contar as pessoas que tinha cumprimentado desde que saíra de casa até chegar à Praça do Bocage. Foram mais de trinta…

 

Naquele tempo parece que toda a gente se conhecia. Hoje, depois de mais de uma hora a andar parei junto de um dos cinco passos existentes em Setúbal, a capelinha dedicada a São Marçal, patrono dos bombeiros e até esse momento não tinha aparecido ninguém conhecido.

 

Estive a apreciar aquela capelinha, outrora sempre limpa e bem tratada e onde na época natalícia podíamos ver um grande e bem elaborado e tradicional presépio, que carinhosas e calejadas mãos tomavam à sua responsabilidade.

 

Vi, apreciei, fotografei e fiquei desgostoso com o ar triste a que a mesma se encontra, com vidro partido, reboco a cair, fios elétricos pendurados e um aspeto de abandono, condizente com muitas das habitações da zona da minha meninice.

 

Pensativo, deixo aquele local e entro na Rua Direita de Troino, e eis que me cruzo com um homem que vem andando devagar apoiado numa canadiana. Reconheço-o, cumprimento-o, é a primeira saudação do dia. Ele não me conhece, são quase quinze anos de diferença que nos separam, ele era já um homem enquanto eu não passava de um puto.

 

Paro e entabulo conversa com aquele homem que não me conhecia, embora a sua imagem me tivesse ficada retida na memória ao longo de décadas.

 

José de Sousa, 79 anos, nascido em Troino, na Rua do Castelo, bombeiro, era ele que tratava daquela capelinha até 2011, a sua saúde já não lhe permite desenvolver essa tarefa como outrora o fez com tanto carinho e empenhamento. O mesmo empenhamento que colocou ao serviço dos seus conterrâneos no combate a centenas de fogos na nossa terra.

Hoje o nosso amigo José de Sousa teve oportunidade de encontrar alguém com quem conversar uns minutos sobre um assunto que tanto lhe diz e ao referir-se àquela e à outra capelinha existente no Larga da Veronica, que também cuidava não deixa de se manifestar de forma verbal violenta contra um antigo presidente da Câmara que mandou arrancar os azulejos que ele próprio colocara naqueles espaços, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal.

 


sexta-feira, 29 de outubro de 2021

 

As boas memórias que ficaram da “nossa” Comenda 


A minha ficha de escuteiro regista o ano de 1961 como sendo o do primeiro acampamento que fiz na Herdade da Comenda, no sítio de Almelão, a cerca de 1 km para o interior da foz da Ribeira da Ajuda.

Desde essa data até à minha saída do ativo escutista foram dezenas de noites de campo em acampamentos levados a cabo no interior da “nossa” Comenda.

É bom notar que já naquele tempo, antes da revolução da 25 de abril de 1974, o espaço encontrava-se vedado em grande parte da herdade e antes de acamparmos solicitávamos a devida autorização ao representante do proprietário.

Não me recordo do rosto do guarda da propriedade no tempo do Conde Armand, mas registei o nome de Chacatas ou Xacatas a quem geralmente dirigíamos o pedido de autorização para acampar debaixo daqueles enormes eucaliptos, na margem da ribeira e junto à mina de água.

Pouco antes da “Revolução dos Cravos” a herdade foi vendida à TORRALTA, que acabou por a entregar como dação em pagamento ao Banco Pinto & Sotto Mayor, que por sua vez vendeu a António Xavier de Lima. Após o seu falecimento  os herdeiros alienariam à Seven Properties – Sociedade de Investimentos Imobiliários S.A., atuais detentores desta enorme propriedade, em pleno Parque Natural da Arrábida.

Aquando na posse de António Xavier de Lima os escuteiros continuaram a acampar naquele magnifico espaço, que permitia as mais diferentes aventuras e a propriedade continuou a ser devidamente guardada desta vez por  António Chinita cuja imagem  aqui mostramos e onde também se podem ver alguns dos belos painéis de azulejos, rapidamente furtados e vandalizados quando este que foi o último guarda das instalações deixou de exercer a sua atividade.

Presentemente a casa apalaçada arquitetada por Raúl Lino encontra-se recuperada, a propriedade está a ser limpa e ordenada e, se alguns setubalenses e demais utentes daqueles espaços estão tristes por não os poderem agora utilizar, outros ficarão satisfeitos pela recuperação levada a cabo pelos novos proprietários.

Quanto a mim, ficaram as memórias do tempo de juventude e de muitos e bons momentos de salutar convívio e das histórias contadas à volta da fogueira, naquelas noites estreladas, como só as vivi na “nossa” Comenda.

Rui Canas Gaspar

Troineiro.blogspot.com

2021-outubro-29

terça-feira, 27 de julho de 2021

 


Há 51 anos nem a morte de Salazar nos livrou!...

Éramos (e somos) três bons amigos que desde tenra idade fizemos parte de um grupo de escuteiro setubalense e que nesta foto nos apresentamos como equipa de ténis de mesa, representante local desse Movimento Mundial..

Quando jovens, tal como uma dúzia de escuteiros do mesmo grupo, fomos incorporados no serviço militar obrigatório e pouco depois enviados para as três frentes de combate que Portugal travava lá longe, em África, nas suas colónias da Guiné, Angola e Moçambique.

Naquele dia 27 de julho de  1970 o Ricardo Soromenho estava para embarcar em Lisboa no Navio Bragança no mesmo dia eu faria o mesmo no Ana Mafalda. Foi então que a rádio noticiou o falecimento de Oliveira Salazar e logo os rumores começaram a circular pelo cais de embarque que os navios transportando centenas de militares para a Guiné não largariam amarras do porto de Lisboa.

Poucos dias antes já o Mário Salgado tinha ali embarcado no velho paquete Carvalho Araújo também ele rumo à Guiné integrado numa companhia que foi reforçar a localidade de Pirada alvo de violentos ataques do PAIGC de que resultou mortos, feridos e prisioneiros entre as nossas tropas.

A morte de Salazar afinal de pouco nos serviu pois pela tardinha ambos os barcos deixavam a barra de Lisboa, rumo a Bissau e a uma guerra que nos poupou a vida e que continuamos a recordar sem saudade a não ser aquela dos nossos bem passados tempos de juventude.

Rui Canas Gaspar

Troineiro.blogspot.com

2021-julho-27