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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Os nossos simpáticos Golfinhos 


Em meados do século passado os tripulantes dos muitos barcos de pesca e de carga que demandavam ou tinham como porto de abrigo a foz do Sado serviam-se das suas águas como vazadouro para tudo o que estivesse a mais a bordo das suas embarcações.


E era graças a essas nefastas práticas que muitos pescadores sadinos, envergando as suas pesadas “botas de água” várias vezes escorregaram nas muralhas da altamente poluída doca, devido aos cabos de amarração estarem completamente oleados e a muralha por demais escorregadia.

“Uma porcaria!” É a expressão usada por um velho pescador ao relembrar esses tempos.

A juntar à falta de legislação, fiscalização e consciência ecológica contribuíam ainda a indústria conserveira, com os seus óleos e sangue do peixe que escorria livremente pelos esgotos até ao Sado.

Nessa altura os arrastões eram inexistentes. A costa era também rica em plâncton, pelo que a sardinha abundava e mesmo com todo este tipo de poluição, mais junto à margem norte do Sado, o rio era farto de espécies piscícolas e a colónia de roazes corvineiros era numerosa.

A partir dos anos 60 do século XX, diferente tipo de indústrias se instalaram a nascente da baía sadina e com elas chegou outro tipo de poluição que sem o devido controlo acabou por deixar marcas profundas de que é um bom exemplo as famosas ostras do Sado que quase desapareceram.

Com menos alimento também a colónia de roazes se foi reduzindo até que nos finais do século passado, início do século XXI, vamos encontrar a poluição muito mais controlada, não só por adequada legislação, por maior consciência ambiental e pelos filtros e centrais de tratamento de águas e resíduos, entretanto instaladas e colocadas a funcionar.

Com estas boas práticas ambientais as águas do Sado voltaram a ser quase transparentes. Aqui têm o seu habitat uma quase única colónia de roazes, os nossos simpáticos golfinhos, que nadam, caçam e se reproduzem e são alvo de admiração da população setubalense. 

Rui Canas Gaspar
troineiro.blogspot.com

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

 



Maria, peixe pra já!

Naquele tempo, em meados do século passado, eram muitas as fábricas de conserva de peixe que laboravam um pouco por toda a cidade de Setúbal.

A pesca era abundante e os barcos faziam fila para vender o pescado, sobretudo sardinha, destinado à dinâmica indústria conserveira.

Logo que o fabricante comprava o peixe na lota a fábrica fazia soar a sua estridente sirene e identificada pelo diferente som as operárias saiam de casa correndo na direção da mesma afim de ocuparem o seu posto de trabalho, fosse a que horas fosse, de manhã, de tarde, ou mesmo de noite.

Mas, para reforçar o sonoro aviso algumas fábricas ainda mandavam um “moço”, normalmente vestido de calça curta e camisa de ganga de cor azul, montado numa bicicleta (pasteleira) passar pela casa de cada uma das operárias afim de chamá-las ao serviço, gritando na rua, “Maria, peixe pra já!”.

E, as Marias, largavam tudo o que estavam a fazer, agarravam no avental, na toca e na tesoura, enfiavam os chinelos nos pés e corriam rua afora deixando tudo para trás de forma a chegar ao local de trabalho atempadamente, não fossem atrasar-se e a mestra já não as deixar entrar perdendo assim a oportunidade de trazer alguns magros centavos para casa.

E quantas crianças, ainda bebés, não foram mamando pelo caminho e já na fábrica ficariam a dormir no interior de alguma caixa de madeira, servindo de berço, enquanto a sua esforçada mãe trabalhava para prover o seu sustento?

Eram tempos difíceis aqueles que tantos e tantos homens e mulheres da nossa terra vivenciaram e ainda hoje perduram na memória de muitos setubalenses.

Rui Canas Gaspar

Troineiro.blogspot.com