A última viagem dos bois
do “campo do careca”
As
redes da pesca de cerco, fabricadas em fio de algodão, de algumas traineiras
setubalenses chegavam ao “campo do careca”, em carroças puxadas por mulas, para
serem tingidas, ou seja para ficarem impermeabilizadas depois de uma passagem por
alcatrão.
Num
antigo tanque de rega eram despejados alguns bidons de alcatrão e as redes iam
passando por dentro dele, puxadas à frente por dois pescadores e ajudados por
outros dois que, cada um com um remo, iam empurrando as redes para o fundo a fim
de que nada ficasse por tingir.
Depois
desta passagem as redes eram postas a secar ao sol e posteriormente de novo
carregadas para a doca onde seriam embarcadas nas traineiras.
E
foi numa destas idas desde o tal “campo do careca” que uma carreta carregada de
redes, puxada por uma junta de bois, chegou à Doca dos Pescadores, junto ao “cais
do carvão” ou seja à estacada nº 1.
Mas,
porque a manobra com a carreta não tivesse sido bem feita, ou porque o responsável
pela mesma a quis colocar o mais junto possível da embarcação, o facto é que o
acidente aconteceu.
A
carreta resvalou para dentro da doca, arrastando consigo a junta de bois, para surpresa
de todos aqueles homens do mar que incrédulos assistiram à cena, enquanto as
redes iam para o fundo da doca.
O
atrapalhado homem da carreta começou então a chamar os atordoados bois pelos seus
nomes e os animais seguindo a voz do dono foram nadando até ao plano inclinado.
Logo que sentiram solo firme sob as suas possantes patas trataram de abanar as
orelhas sacudindo a água e começando a subir.
Já
cá em cima o responsável pela carreta desatrelou os animais e levou-os de volta
para a sua quinta no “campo do careca” e nunca mais aqueles animais voltaram a
fazer este trabalho, sendo então substituídos por mulas.
A
história é verídica e passou-se em
Setúbal há cerca de seis dezenas de anos, tendo sido contada por Francisco Gaspar, um antigo
pescador de 91 anos que assistiu à ocorrência.
O
“campo do careca” ficava na Quinta da Saboaria, que começa no final poente da
Avenida Luísa Todi e prolongava-se pelo espaço onde hoje estão erigidos os
novos edifícios na estada que vai para as praias da Arrábida.
São
“coisas de Setúbal”, são histórias da nossa terra de gente do mar.
Rui
Canas Gaspar
2016-novembro-30