Lembrança do nosso outeiro
Descalços, de botas cardadas ou de botas de água a que
hoje chamamos galochas, os rapazes de Troino, de calções vestidos, subiam ao
outeiro e dali lançavam os seus papagaios de papel, naqueles tempos em que com
o aproximar do mês de dezembro já se faziam sentir fortes vendavais.
Os papagaios eram construídos pelos próprios rapazes,
recorrendo a canas verdes para fazer a armação e a papel de jornal para o
revestimento, alguns que conseguiam arranjar alguns trocos compravam papel
colorido na papelaria do Largo da Fonte Nova dando assim uma visão mais
agradável ao seu papagaio.
E, porque não havia dinheiro para luxos, o papel era
colado recorrendo ao sabão preto ou a cola feita pelos próprios moços,
recorrendo aos caroços de marmelo.
O grande rolo de fio para prender o “bicharoco” era
aquele utilizado pelos pescadores que generosamente doavam aos rapazes.
Em dias ventosos era uma alegria naquele outeiro, por
cima da Fonte da Charoca, aquela construída em nicho na Rua das Oliveiras, ver
os papagaios voando lá no alto, tentando cada um superar o outro na altura a
que chegavam, esvoaçando sobre os telhados do casario daquele antigo e popular
bairro, dominado pela torre da Igreja de Nossa Senhora da Anunciada, onde se
radicaram os pescadores oriundos das quentes terras algarvias.
Voltei hoje ao alto do outeiro para apreciar a mesma
panorâmica que os rapazes da minha geração tanto gostavam e que foi lugar de
muitas e salutares brincadeiras, num tempo sem facilidades, mas de grandes e
fortes amizades que ultrapassando a voracidade dos tempos ainda hoje perduram
Rui Canas Gaspar
Troineiro.blogspot.com