notícias, pensamentos, fotografias e comentários de um troineiro

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

 



Muitos mortos e feridos no Terramoto de Setúbal

Pequenos abalos já teriam sido sentidos no dia anterior e durante a noite. Porém o que a população não esperava é que naquele dia 11 de novembro de 1858 Setúbal fosse sacudida de forma tão violenta por um terremoto de 7.1

O Bairro de Troino ficou praticamente em ruínas e a Fonte Nova viu muitos dos seus edifícios ficarem seriamente danificados, havendo até relatos que a Praça do Sapal (atual Praça de Bocage) viria a sentir os efeitos desse forte abanão vindo a Igreja de S. Julião a registar fendas e ornatos caídos da fachada.

Até o Convento de Jesus ficou mais danificado com este terremoto do que com aquele outro ocorrido em 1755.

Às sete horas da manhã daquele dia 11 de novembro, Setúbal encontrava-se apenas a 30 quilómetros do epicentro pelo que os efeitos do abalo aqui se fizeram sentir com maior intensidade do que em quaisquer outras zonas do país.

Foram as casas mais modestas que mais sofreram e dos montes de escombros foram muitas as vítimas mortais, bem como grande número de pessoas que ficaram feridas, algumas com gravidade.

Os sobreviventes trataram de montar barracas junto à praia, enquanto as pilhagens aconteciam um pouco por todo o lado. Para cúmulo da desgraça,  o mau tempo que se fazia sentir naquele final de ano originava uma tragédia terrível com muitas pessoas feridas, sem terem de vestir, abrigar-se, ou mesmo que comer.

Foram necessários dois anos para que fossem reerguidas 181 casas e isso foi possível graças a muita solidariedade dos setubalenses com o apoio dos seus vizinhos palmelenses que forneceram boa parte dos materiais de construção provenientes do antigo convento de Palmela.

Para assinalar estas novas casas foi mandado colocar uma peça de azulejo com o seguinte: “Beneficência 11 de Novembro de 1858” que ainda hoje podemos ver numa ou outra fachada da cidade sadina.

As casas hoje estão construídas para melhor poderem responder a terramotos do que aquelas outras que passaram pelo de 1755 e 1858, no entanto, e porque outro terramoto virá sem previamente se fazer anunciar, convém que estejamos minimamente preparados, nem que seja com a já muito badalada mochila de emergência, também conhecida por kit 72 horas, mas esse é um assunto que depois trataremos.

Rui Canas Gaspar

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sábado, 17 de agosto de 2024


Na rota dos nossos antepassados fenícios


No longínquo século VII a.C. os nautas vindos do Sul a bordo de possantes barcos fenícios, navegando provavelmente desde os confins do Mediterrâneo, oriundos das bandas de Israel e do Líbano, subiam ao longo da costa atlântica, hoje território de Portugal, fazendo avançar os seus resistentes barcos graças à força braçal de esforçados remadores ou ao vento que por vezes impulsionava as velas quadrangulares dos seus bem construídos barcos.

Aqueles homens, após entrarem nas águas azuis e calmas do estuário do Sado, olhando para o lado direito, provavelmente o que ali viam não seria a grande língua, formando a península de areia branca tal como hoje a conhecemos.

Estes antigos navegadores e comerciantes, membros de um povo culto e habilidoso que também participou na construção do célebre Templo de Salomão, acharam então por bem edificar uma feitoria em Abul, um local situado um pouco para montante, na margem direita do rio. A feitoria seria uma construção que lhes serviria de armazém e base de apoio para os seus negócios internacionais.

Passados que foram algumas centenas de anos sobre a chegada destes dinâmicos comerciantes marítimos da antiguidade, seriam os conquistadores e colonizadores romanos que se viriam a instalar nesta região.

Nesse tempo, é bem possível que a paisagem da margem esquerda do Sado que se apresentava perante o seu olhar, junto à foz, ainda não fosse uma península, mas sim um cordão composto por algumas ilhas, sendo provavelmente a maior delas aquela designada por Ácala.

E foi precisamente a bordo de uma embarcação com o sugestivo nome de “Ácala” que hoje subi o Sado, passando precisamente frente a Abul, onde os nossos antepassados fenicios instalaram a sua feitoria. Esta foi uma agradável viagem pela História muito mais do que um simples e agradável cruzeiro fluvial pelo nosso
rio azul.

Rui Canas Gaspar

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sexta-feira, 9 de agosto de 2024

 



Quando D. Juan Carlos e o Presidente Mário Soares se juntaram em Setúbal

Pouco antes de ser oficialmente anunciada a descoberta do Brasil, na localidade espanhola de Tordesilhas, no ano de 1494, já lá vão 530 anos,  as então superpotências marítimas da altura celebraram um acordo de divisão do mundo o qual definia como linha de demarcação o meridiano 370 léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de Cabo Verde.

Esta linha estava situada a meio caminho entre estas ilhas (então portuguesas) e as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo, no tratado referidas como "Cipango" e Antília. Assim sendo, os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, a Castela. 

Pouco depois da assinatura do acordo, em 1500, Portugal anunciava a descoberta do Brasil, seria uma coincidência ou um segredo bem guardado pela coroa portuguesa, passando assim a perna a nuestros hermanos?

O Tratado de Tordesilhas viria a ser ratificado em Setúbal pouco depois e, foi para a cidade sadina que 500 anos mais tarde se deslocaram o Rei de Espanha D. Juan Carlos, acompanhado da Rainha Sofia e o Presidente da República Dr. Mário Soares, com a Primeira Dama, Dra. Maria Barroso, para celebrar tão importante evento.

O Presidente Mário Soares no seu discurso teve oportunidade de frisar, ainda que por outras palavras,  que o Tratado de Tordesilhas é um exemplo de como os povos podem resolver a contento e de forma pacífica  as suas divergências.

Dentro de poucos dias fará 30 anos que o acontecimento foi celebrado em Setúbal com toda a pompa e dignidade, tendo a cidade sabido receber, como é seu apanágio, os reis de Espanha e o Presidente da República Portuguesa.

A RTP Memória tem nos seus arquivos este pequeno excerto que vale a pena ver e recordar.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/comemoracao-dos-500-anos-do-tratado-de-tordesilhas/

 

Rui Canas Gaspar

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quarta-feira, 7 de agosto de 2024

 



O abandonado e quase esquecido Forte do Casalinho

A foto que aqui vemos mostra-nos uma desativada estrutura militar (ao tempo ainda operacional)  e foi captada precisamente à 75 anos, pelo avô do nosso conterrâneo e provavelmente o melhor conhecedor das coisas de Setúbal, António Cunha Bento.

A imagem mostra-nos o Forte do Casalinho, equipado e pronto para entrar em ação no âmbito da Primeira Grande Guerra, a par de outra estrutura do mesmo tipo, embora inacabada, o vizinho Forte de Milregos, implantado na margem esquerda da Ribeira da Ajuda, bem perto do Parque de Merendas da Comenda.

Presentemente os artilheiros das peças Krupp de 280mm teriam alguma dificuldade em dispara-las nem com o apoio do Moinho da Desgraça que lhes servia de posto de observação, porquanto os pinheiros de Alepo cresceram à sua volta de forma desordenada, por toda aquela área da serra, sobretudo na parte de cima de Albarquel.

Antes de ocorrer a pandemia COVID 19 tive oportunidade de visitar pormenorizadamente este local na companhia do meu amigo e velho escuteiro Mário Salgado, tendo filmado o espaço e colocado o resultado do trabalho no YouTube.

O forte com grandes potencialidades para ser utilizado como equipamento de apoio a Bombeiros, Escuteiros, projeto lúdico/Turistico, etc. encontra-se nitidamente ao abandono, daí  que vai sendo ocupado de forma mais ou menos “esquisita” e que nada abona ou contribui para a sua preservação e dignidade.

Se aproveitássemos melhor estas coisas que Setúbal ainda tem e que se encontram nos braços de Morfeu, provavelmente poderíamos potenciar o turismo um pouco mais para além do Sol e água salgada que vamos tentando vender a quem nos quer visitar.

Rui Canas Gaspar

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quinta-feira, 25 de julho de 2024

 



Hoje é dia dos “caramelos”

Era assim que no século passado, quando a Feira de Santiago se realizava na Avenida Luísa Todi, o pessoal do Bairro de Troino designava este primeiro dia de feira. Este  não era o dia para o bom povo deste bairro de pescadores e conserveiras visitar o certame mas deixar a noite para os “caramelos” aquele pessoal que vivia no campo, nos arredores, para os lados de Palmela.

Eram outros tempos, outras realidades, quando os vendedores de barros ocupavam boa parte das placas a poente da avenida e faziam bons negócios, ou não fossem poucos os ganhos dos pescadores e ainda insipidas as panelas, alguidares  e tachos de alumínio.

Era o tempo em que as enormes árvores do lago se enfeitavam com luzes coloridas de alto a baixo que podiam ser vistas do Viso e, altura para muito boa gente estrear um vestido ou calças novas para ir à feira onde via e era visto, um espaço privilegiado para a sociabilização.

Esta era uma feira diferente daquela outra mais “abarracada” que se realizou anos antes na beira-mar e esta também diferente da que se realizou no Bonfim onde o gado era também motivo de transação e, esta muito distinta da inicial levada a cabo no Largo de Jesus junto às margens da Ribeira do Livramento, com água corrente vinda dos lados de Palmela.

Hoje a feira realiza-se nas Manteigadas (ou Manteigada), um espaço praticamente desprovido de vendedores de barros, entretanto caídos em desuso e onde pontuam os concertos de música ao gosto da época em que vivemos e que juntam milhares de pessoas sobretudo jovens.

Todo o tempo é feito de mudanças, umas para melhor, outras nem por isso, o facto é que pessoalmente continuo a gostar da Feira de Santiago, um espaço sempre agradável onde vamos encontrar muito boa gente amiga,  nova ou menos nova, ora sentada a comer uma bifaninha ou passeando descontraidamente degustando uma deliciosa fartura.

Para manter a tradição e porque hoje é o tal dia dos “caramelos” não irei à feira, amanhã talvez seja dia dos setubalenses, provavelmente dos velhos, não os do Restelo mas de Troino.

Rui Canas Gaspar

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domingo, 14 de julho de 2024

 



A  asa do avião

Olhando assim à primeira vista faz-me lembrar uma daquelas naves espaciais que vemos nos filmes de ficção cientifica que vinda lá dos confins do espaço aterrou aqui neste belo espaço setubalense.

Mas não, trata-se de uma, senão mesmo a mais antiga construção, do jardim Engenheiro Luis da Fonseca, popularmente conhecido entre nós por “Jardim da Beira Mar” e mais não é que uma grande pala construída em betão armado que proporciona sombra a um enorme banco corrido, onde muitos e muitas esperam, esperaram e até desesperaram…

Desde que esta singular estrutura aqui apareceu os setubalenses logo trataram de a batizar como “Asa do avião” por tal lhes parecer logo nos longínquos tempos da sua construção e até hoje assim a identificamos.

A construção serviu de bilheteira para os barcos que faziam a travessia para Troia, tendo nas traseiras da mesma wc para homens e senhoras.

Presentemente (julho de 2024) tudo está desativado e, como quase sempre acontece nestas situações, vandalizado e parcialmente ocupado indevidamente.

Todo este belo jardim, cheio de histórias das gentes de Setúbal está  (ou esteve) à responsabilidade do Porto de Setúbal, sendo que foi noticiado na comunicação social, em abril de 2022, a existência de conversações entre os presidentes da Câmara Municipal de Setúbal e do Porto de Setúbal para que aquele espaço de quatro hectares passasse para a gestão municipal.

Rui Canas Gaspar

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domingo, 9 de junho de 2024

 


Maria Barroso a Primeira Dama que estudou em Setúbal

 

A criança nasceu no Algarve, na pitoresca Fuzeta, concelho de Olhão,  naquele distante dia 2 de maio de 1925, filha de uma professora do ensino primário e de um oficial do exército.

Seu pai haveria de vir a ser transferido para o Regimento de Infantaria Nº 11, trazendo então toda a família para Setúbal, onde se radicou, e onde a esposa haveria de lecionar na escola primária então a funcionar na ala sul da casa apalaçada de Fe
u Guião, na popularmente conhecida Fonte Nova.

E, foi nessa escola que a menina Maria Barroso frequentou os primeiros anos de instrução primária.

Mais tarde, já em 1945  a pequena Maria haveria de rumar a Lisboa onde estudou na Faculdade de Letras, estabelecimento de ensino público onde  viria a concluir o curso de Histórico-Filosóficas.

Pouco depois, casou por procuração com o conhecido político Mário Soares, quando este estava na prisão por motivos políticos, um português que desempenhou funções de Primeiro-Ministro e de Presidente da República Portuguesa e que foi o grande responsável pela adesão de Portugal à Comunidade Europeia.

Maria Barroso Soares, a senhora que foi Primeira Dama de Portugal, viria a falecer em 7 de julho de 2015 quando contava 90 anos. Porém, antes de partir desta vida ainda quis voltar a Setúbal visitando o edifício da sua antiga escola primária, onde foi fotografada junto ao velho portão do “Palácio Feu Guião” agora bem bonito, restaurado e a servir de residência a mais de uma dezena de famílias.

Rui Canas Gaspar

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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Os nossos simpáticos Golfinhos 


Em meados do século passado os tripulantes dos muitos barcos de pesca e de carga que demandavam ou tinham como porto de abrigo a foz do Sado serviam-se das suas águas como vazadouro para tudo o que estivesse a mais a bordo das suas embarcações.


E era graças a essas nefastas práticas que muitos pescadores sadinos, envergando as suas pesadas “botas de água” várias vezes escorregaram nas muralhas da altamente poluída doca, devido aos cabos de amarração estarem completamente oleados e a muralha por demais escorregadia.

“Uma porcaria!” É a expressão usada por um velho pescador ao relembrar esses tempos.

A juntar à falta de legislação, fiscalização e consciência ecológica contribuíam ainda a indústria conserveira, com os seus óleos e sangue do peixe que escorria livremente pelos esgotos até ao Sado.

Nessa altura os arrastões eram inexistentes. A costa era também rica em plâncton, pelo que a sardinha abundava e mesmo com todo este tipo de poluição, mais junto à margem norte do Sado, o rio era farto de espécies piscícolas e a colónia de roazes corvineiros era numerosa.

A partir dos anos 60 do século XX, diferente tipo de indústrias se instalaram a nascente da baía sadina e com elas chegou outro tipo de poluição que sem o devido controlo acabou por deixar marcas profundas de que é um bom exemplo as famosas ostras do Sado que quase desapareceram.

Com menos alimento também a colónia de roazes se foi reduzindo até que nos finais do século passado, início do século XXI, vamos encontrar a poluição muito mais controlada, não só por adequada legislação, por maior consciência ambiental e pelos filtros e centrais de tratamento de águas e resíduos, entretanto instaladas e colocadas a funcionar.

Com estas boas práticas ambientais as águas do Sado voltaram a ser quase transparentes. Aqui têm o seu habitat uma quase única colónia de roazes, os nossos simpáticos golfinhos, que nadam, caçam e se reproduzem e são alvo de admiração da população setubalense. 

Rui Canas Gaspar
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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

 



Maria, peixe pra já!

Naquele tempo, em meados do século passado, eram muitas as fábricas de conserva de peixe que laboravam um pouco por toda a cidade de Setúbal.

A pesca era abundante e os barcos faziam fila para vender o pescado, sobretudo sardinha, destinado à dinâmica indústria conserveira.

Logo que o fabricante comprava o peixe na lota a fábrica fazia soar a sua estridente sirene e identificada pelo diferente som as operárias saiam de casa correndo na direção da mesma afim de ocuparem o seu posto de trabalho, fosse a que horas fosse, de manhã, de tarde, ou mesmo de noite.

Mas, para reforçar o sonoro aviso algumas fábricas ainda mandavam um “moço”, normalmente vestido de calça curta e camisa de ganga de cor azul, montado numa bicicleta (pasteleira) passar pela casa de cada uma das operárias afim de chamá-las ao serviço, gritando na rua, “Maria, peixe pra já!”.

E, as Marias, largavam tudo o que estavam a fazer, agarravam no avental, na toca e na tesoura, enfiavam os chinelos nos pés e corriam rua afora deixando tudo para trás de forma a chegar ao local de trabalho atempadamente, não fossem atrasar-se e a mestra já não as deixar entrar perdendo assim a oportunidade de trazer alguns magros centavos para casa.

E quantas crianças, ainda bebés, não foram mamando pelo caminho e já na fábrica ficariam a dormir no interior de alguma caixa de madeira, servindo de berço, enquanto a sua esforçada mãe trabalhava para prover o seu sustento?

Eram tempos difíceis aqueles que tantos e tantos homens e mulheres da nossa terra vivenciaram e ainda hoje perduram na memória de muitos setubalenses.

Rui Canas Gaspar

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