Há 67 anos uma grávida de
9 meses numa tarde foi a Palmela a pé e voltou encharcada
Naquele
domingo, dia 18 de abril de 1948, celebravam-se as festas pascais um pouco por
todo o país e pelas ruas de Palmela após o almoço saía a procissão, na qual se
incorporava bastante povo e muitas outras pessoas aglomeravam-se ao longo das
estreitas e íngremes ruelas para assistir ao cortejo religioso.
Nove
meses antes, em 27 de julho de 1947, a jovem e prendada Benilde, que tinha
aprendido a costurar na Casa dos Pescadores, casara com o Francisco, um jovem e
rijo pescador. Eles tinham nascido no bairro de Troino e ali ficariam a residir
agora depois de casados pelo pároco da Igreja de Nossa Senhora da Anunciada.
A
elegante Benilde estava agora com uma barriga bem avantajada, no seu ventre,
ainda sem saber se era rapaz ou rapariga, já se mexia, e remexia o seu primeiro
rebento, mas esse facto não a demoveu de querer ir ver a festa a Palmela.
O
jovem casal convidou uma amiga lá da sua rua, que acabou por declinar o
convite, pelo que o Francisco e a Benilde puseram pernas ao caminho e lá foram os
dois para Palmela, subindo a encosta pelo tortuoso atalho que mais tarde
ficaria conhecido por estrada da cobra.
Chegaram
ao alto da vila a tempo de assistir à procissão e, depois da mesma passar
trataram de retornar a casa calcorreando os 8 quilómetros que distam estas
localidades uma da outra.
À entrada de Setúbal, no Rio da Figueira, o céu que se apresentava carregado
resolveu abrir as comportas e uma chuvada tão forte desabou sobre o casal, que
nem o facto de se terem recolhido na ombreira da taberna do “Ás de Paus”
(porque era feio as senhoras entrarem naquelas casas…) os salvou de ficarem
encharcados até aos ossos.
Poucos
minutos faltavam para chegar à Rua das Oliveiras e logo que a chuva deu tréguas
percorreram o restante caminho até ao conforto da sua pequena casa.
Na
segunda-feira, bem cedo, o Francisco ainda não tinha saído para o mar, quando a
Benilde lhe pediu que fosse chamar a parteira porque pressentia que estava
prestes a dar à luz.
Apressado
e atarantado o rapaz foi falar com um familiar que morava na porta ao lado e lá
foram ambos chamar D. Esguita, a parteira que assistia naqueles tempos à maioria dos partos em Troino e arredores.
Mal
a parteira chegou, mandou aquecer no fogareiro uma panela de água, para lavar
aquele ou aquela que estava prestes a pôr a cabeça de fora para ver o que se
passava neste mundo. Minutos depois, foi o tempo da água aquecer, e um rapaz,
curioso, espreitava para ver a luz do dia naquele distante 19 de abril de 1948.
Na
véspera, bem embalado no ventre de sua mãe, tinha calcorreado cerca de duas
dezenas de quilómetros a pé, serra abaixo, serra acima e agora, cá fora,
preparava-se para outra longa jornada pela vida fora.
O
meu pai contou-me esta bela história e, depois de o escutar e meditar, conclui
que tenho a quem sair, andarilho e curioso, como a minha falecida mãe!…
Rui
Canas Gaspar
2015-abril-18
www.troineiro.blogspot.com
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