INADMISSÍVEL!!!
Há
muitos, muitos anos, quando o nosso Portugal vivia sob regime totalitário,
pobre e orgulhosamente só, neste mês de dezembro, tempo de defeso da pesca da
sardinha, de quando em vez vinha alguém bater à nossa porta a pedir uma esmola.
Era assim que se dizia naquele tempo.
Minha
mãe, nunca me falou sobre solidariedade, caridade ou fosse lá o que fosse, mas
do pouco que tínhamos partilhávamos com quem vinha bater à porta da nossa
pequena habitação, no típico Bairro de Troino, maioritariamente habitado por
gente que retirava o seu sustento das frias águas do mar.
Foi
nessa altura que aprendi a diferenciar a mão direita da esquerda. Quando minha
mãe me mandava entregar a moeda de um tostão ou dois tostões à “pobrezinha” que
aguardava pela esmola junto à soleira da porta de entrada de nossa casa. Dizia minha mãe: “entrega com a mão do lado de
cá” ou seja, a que ficava na direção da cozinha onde nos encontrávamos.
De
facto nesse período eram duras as condições de vida das pessoas que viviam ou
sobreviviam com parcos recursos e praticamente sem qualquer tipo de assistência
social pública ou privada.
Os
tempos passaram, a ditadura caiu naquela agradável manhã da primavera, no dia
25 de Abril de 1974. Como país deixamos de estar “orgulhosamente sós” para
passar a estar agradavelmente acompanhados de várias nações europeias, não numa
federação, mas numa união.
Deixamos
também de ter defeso da pesca da sardinha, porque esta partiu para outras
paragens e porque os barcos com que os setubalenses pescavam, tal como todos os
outros pescadores foram abatidos, segundo diretivas da tal União.
Por
outro lado quase que por magia, num curto espaço de tempo deixamos de ser
pobres e começamos a pensar que éramos ricos. Mas… o mesmo mago que nos
transformou de pobres em ricos a determinado momento resolveu de novo brincar e,
vai daí, voltou a transformar-nos de ricos em pobres.
Mas
esta coisa de passar de “cavalo para burro” é mais complicado… e os novos pobres,
a grande maioria que nem sequer sabia o que isso era encontra-se agora confrontada com sérios problemas, não só
de adaptação à nova condição, mas sobretudo ao verem-se a braços com
endividamentos para que foram empurrados pelas banca, sociedades financeiras e
outras empresas do mesmo tipo.
Muitos
de nós falamos, opinamos, porém desconhecemos muito da cruel e triste realidade
que se vive paredes meias connosco. E, é assim que com a maior tristeza,
constato que passados tantos anos, hoje sou confrontado com novos “pobrezinhos”
que mais do que uma vez por semana vem bater-me à porta de casa, tal como
acontecia à perto de sessenta anos.
Mas
a minha maior tristeza reside no facto de numa das típicas ruas do meu querido
Bairro de Troino, à noite, quando muitos de nós escutam as notícias, jantam, ou
se ocupam das mais diversas atividades na internet, dezenas, ou centenas de
pessoas fazerem fila para recolher uma refeição que caridosas mãos solidariamente
amigas preparam voluntariamente para os nossos conterrâneos.
Ao
ver este triste cenário na minha pobre terra, veio-me à mente a tal “pobrezinha”
no tempo do “orgulhosamente sós” em contraponto com todos estes novos “pobrezinhos” agora que estamos tão bem
acompanhados.
Apenas
uma palavra para definir esta situação: INADMISSÍVEL!!!
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