Perca de tempo
A
internet tem destas coisas, tem a particularidade de não só aproximar as
pessoas como também avivar algumas memórias que quase já se encontravam
esquecidas, ou pelo menos esfumadas, como foi o caso daquela que agora aqui
partilho.
João
Teles é um nortenho, bom amigo, que serviu comigo no Centro Criptográfico do
Exército, no Quartel-General, em Bissau, como militares recrutados para o
serviço obrigatório que então vigorava em Portugal.
Eu
pertenço à incorporação de 1969 e servi durante 27 meses na Guiné, numa altura
em que se dizia que não deveríamos ali servir por mais de 18 meses, atendendo à
insalubridade e tipo de guerra que se travava no território.
Acontece
que tendo eu ido em rendição individual, era suposto só ser dispensado depois
da chegada do meu substituto. Porém o tempo passava e nem o substituto chegava
nem eu saía daquela colónia, oficialmente província ultramarina, quando o PAIGC
(Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) levava as suas
ações de combate cada vez mais perto da capital.
Falava
com o tenente, oficial de carreira que chefiava o Centro Cripto, no entanto o
homem, com o seu jeito um pouco esquisito, tipo efeminado, insistia que eu só
sairia da Guiné quando chegasse mesmo o meu substituto, ao que eu contrapunha
com a argumentação de que se o mesmo nunca mais chegasse nunca mais eu sairia de
lá. Porém, tudo não passava de conversa fiada, terminando sempre com a ameaça
de levar um castigo pela minha “língua comprida” segundo ele…
Foi
então que a oportunidade surgiu, e quando fui entregar algumas mensagens
classificadas ao Chefe do Estado Maior, Tenente Coronel Salazar Braga,
aproveitei para lhe ofertar o BALAFOM, uma revista policopiada que dinamizava
conjuntamente com alguns escuteiros que se encontravam mobilizados nas diversas
Províncias Ultramarinas.
Disse
então àquele oficial que seria o ultimo BALAFOM, porquanto deveria estar de
abalada, atendendo a que já tinha 27 meses de Guiné sem que o meu substituto
aparecesse e sem que o chefe do Centro Cripto algo fizesse para resolver a
situação. O oficial superior ouviu atentamente não disse nada a não ser
desejar-me felicidades.
Passavam
poucos minutos quando cheguei ao Centro Cripto, que distava alguns metros apenas
do gabinete do CEM, já o tenente me esperava e de faces vermelhas ameaçava-me
com uma “porrada” por ter ido fazer queixa dele. Lá lhe esclareci que não tinha
feito queixa nenhuma e apenas partilhado o meu desagrado por ainda ali estar
passados tantos meses sem data anunciada sequer para retornar a Portugal.
O
que aconteceu não sei, o que foi falado desconheço mas o certo é que poucos
dias depois, embarcava num boeing dos TAM (Transportes Aéreos Militares) e
chegava a Lisboa onde fui desmobilizado depois de ter servido Portugal, durante
39 longos meses, incorporado no serviço militar obrigatório como o foram tantos
milhares de jovens da minha geração.
O
Estado Português soube ser generoso para com estes militares que arriscaram as
suas jovens vidas e por isso mesmo, depois dos mesmos se reformarem, anualmente
envia-lhes um cheque de 150 euros, brutos, a que serão deduzidos os naturais e
inevitáveis impostos…
Estas memórias vieram-me à mente
graças à internet, é que hoje logo pela manhã recebi uma mensagem do Teles que
acompanhando a foto daquele distinto militar que foi Salazar Braga escrevia
esta curta nota perguntando-me se me lembrava do oficial cuja foto anexava.
Obrigado
Teles, velho amigo, que tão boas memórias guardo dos tempos em que servimos
naquela insalubre terra tornada independente mas que passados tantos anos, pouco
ou nada progrediu, para não dizer que regrediu.
Que tempo
nós e os guerrilheiros do PAIGC perdemos…
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