Namorados troineiros
Eles
residiam em Troino e, foi aí, naquele antigo e típico bairro setubalense, habitado
maioritariamente por gente do mar que se conheceram quando ela pouco mais tinha
que quinze aninhos e ele apenas mais dois.
Depois
de muitos meses de namoro o jovem par decidiu registar para a posteridade o seu
amor. Para isso, ele colocou de parte algum dinheiro conseguido com as suas
pescarias, vestiu a sua melhor roupa e conjuntamente com a sua amada
deslocaram-se ao retratista que registaria aquele bonito momento.
Ela
preparou o seu bonito vestido que habilidosamente costurara, a partir de um modelo que vira num daqueles bonitos figurinos que os bacalhoeiros traziam lá da Terra Nova, passou-o muito
bem com o seu ferro aquecido a carvão, tratou de arranjar o cabelo e lá foram
os dois até à baixa da cidade onde o fotografo os mandou entrar para o estúdio onde
gravaria a imagem do jovem par.
Dias depois ela voltou de novo ao fotografo onde lhes foram entregues as
fotos, bem bonitas por sinal. O estúdio tinha o cenário apropriado para
momentos como este e tratou de colocar os namorados na posição que considerava
adequada, dizendo ao rapaz que colocasse a mão no ombro da sua jovem namorada. Assim ficariam melhor, segundo o fotografo...
O
apaixonado casal tinha agora a possibilidade de ter em seu poder uma bonita
fotografia, a primeira e única que possuíam, num tempo em que eram raras as máquinas fotográficas
e este tipo de registo era feito pelos profissionais em momentos muito especiais.
Muito contente a jovem correu para casa para mostrar as fotografias à sua mãe. O namorado que estava na pesca, quando chegasse a terra teria então oportunidade de as ver.
Apenas
o fotografo ela e a mãe viram as fotos e a mãe ao olhar para aquela bonita imagem,
ficou rubra de cólera e levantando a mão bofeteou a filha que ofendera a honra,
ao deixar que um rapaz, mesmo sendo namorado, ousasse colocar a mão no seu ombro
antes de serem casados.
De
imediato todas as fotos foram confiscadas e para grande desgosto da jovem o seu
amado que tinha tido a ousadia de colocar a mão em cima do seu ombro, não tinha
agora a possibilidade de pôr a vista em cima das bonitas imagens.
A
chorosa jovem ainda tentou nos dias seguintes descobrir onde a mãe tinha guardado as
fotos de forma a poder mostrá-las ao seu amado, mas em vão, jamais as conseguiu
encontrar, a despeito da casa onde residia não ser assim tão grande e os lugares para esconder aqueles registos serem poucos.
Dois
anos depois o casamento acontecia, ela com os seus 19 anos e ele com 21 formavam
agora o seu próprio lar.
Naquele dia de 1947 aconteceu um casamento bonito, com os noivos a deslocarem-se em "carro de praça" até à Igreja
da Anunciada, acompanhados por alguns dos convidados. Um dia de festa no
popular Bairro de Troino.
E foi apenas depois do padre ter abençoado o jovem casal que a mãe chegando junto da jovem noiva, lhe devolveu as fotos tiradas uns anos antes, como prenda de casamento. Agora que já eram casados, o rapaz podia colocar a mão no ombro da sua amada!
E foi apenas depois do padre ter abençoado o jovem casal que a mãe chegando junto da jovem noiva, lhe devolveu as fotos tiradas uns anos antes, como prenda de casamento. Agora que já eram casados, o rapaz podia colocar a mão no ombro da sua amada!
Após
a boda, o casal saiu para lua-de-mel. Foram passear a Lisboa, aquela distante
cidade capital do seu país. e ao que parece foi por aquelas bandas que o rapaz teve oportunidade para mais alguma intimidade com a jovem noiva. Nove meses depois nascia o seu primeiro filho, eu!
Era
assim naqueles tempos no Bairro de Troino, na primeira metade do século XX, num tempo que o respeito e a honra não eram palavra vã e
a “vergonha” era algo muito cara entre as nossas honradas gentes do mar.
Rui Canas Gaspar
2014-março-15
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