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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A barraca do cão

Na verdejante várzea as potentes máquinas derrubavam as velhas casas da outrora próspera Quinta de Proste, nas traseiras do supermercado Pingo Doce, junto à Avenida dos Ciprestes, em Setúbal.

Aproximo-me para apreciar os trabalhos em curso e para ver a perícia de um operário manobrador da escavadora, um emigrante que veio das terras de Leste para governar a vida neste país de sol e de paz, enquanto um outro vindo de quentes e ainda mais soalheiras terras africanas colocava baias de proteção junto à avenida.

E estava eu a apreciar a cor daquela negra e fértil terra agrícola de primeira quando um casal se aproximou e perguntou se eu pertencia à obra:

- Sim, sou o dono, posso ajudá-lo em alguma coisa? Respondi de forma divertida, porém aparentando um ar sério.

- É que nós costumávamos vir aqui todos os dias trazer comida a uma cadela. Tinha ali a casota e agora já lá não está, queríamos saber o que aconteceu…

- Não sei, respondi, mas certamente ela já foi junto com o lixo e o mato retirado daqui para se fazerem as terraplanagens, talvez o operador da máquina possa confirmar o que lhe digo. Olhe pergunte-lhe, eu sou o dono e o meu amigo também o é.

O casal olhou para mim com ar esquisito, ao que acrescentei.

- Sabe, estes trabalhos estão a ser feitos por ordem e para a Autarquia, como nós somos setubalenses, logo somos nós os patrões, sendo assim, somos os donos disto tudo…

Pelos vistos o homem ficou de acordo comigo e lá foi falar com o operador da máquina que no seu melhor português acabou por confirmar as minhas suspeitas.

O casal estava inconformado com o que tinha acontecido à casota do animal que protegiam e afastaram-se dizendo que iam apresentar reclamação ao engenheiro responsável pela obra, porque aquilo não se fazia.

Olhei então para o antigo pombal, envolto na poeira das velhas casas que iam sendo metodicamente demolidas e pensei se não estaria a assistir aos seus últimos dias. Será que da próxima vez que fosse para aquelas bandas ver o andamento dos trabalhos ele ainda por lá estaria ou se teria tido o mesmo destino da casota do cão? Pensei.

O “progresso” tem destas coisas, umas são sacrificadas para que outras nasçam. A obra começou, foi-nos prometido que pelo menos o emblemático miradouro lá ficaria, esperemos que o mesmo não tenha a mesma sorte da barraca do cão e, quem sabe, o mais que certo fim do outrora belo pombal que ainda fotografei, provavelmente para memória futura.

Rui Canas Gaspar
2014-agosto-08

www.troineiro.blogspot.com

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