A barraca do cão
Na
verdejante várzea as potentes máquinas derrubavam as velhas casas da outrora próspera
Quinta de Proste, nas traseiras do supermercado Pingo Doce, junto à Avenida dos
Ciprestes, em Setúbal.
Aproximo-me
para apreciar os trabalhos em curso e para ver a perícia de um operário
manobrador da escavadora, um emigrante que veio das terras de Leste para
governar a vida neste país de sol e de paz, enquanto um outro vindo de quentes
e ainda mais soalheiras terras africanas colocava baias de proteção junto à
avenida.
E
estava eu a apreciar a cor daquela negra e fértil terra agrícola de primeira
quando um casal se aproximou e perguntou se eu pertencia à obra:
-
Sim, sou o dono, posso ajudá-lo em alguma coisa? Respondi de forma divertida,
porém aparentando um ar sério.
-
É que nós costumávamos vir aqui todos os dias trazer comida a uma cadela. Tinha
ali a casota e agora já lá não está, queríamos saber o que aconteceu…
-
Não sei, respondi, mas certamente ela já foi junto com o lixo e o mato retirado
daqui para se fazerem as terraplanagens, talvez o operador da máquina possa
confirmar o que lhe digo. Olhe pergunte-lhe, eu sou o dono e o meu amigo também
o é.
O
casal olhou para mim com ar esquisito, ao que acrescentei.
-
Sabe, estes trabalhos estão a ser feitos por ordem e para a Autarquia, como nós
somos setubalenses, logo somos nós os patrões, sendo assim, somos os donos
disto tudo…
Pelos
vistos o homem ficou de acordo comigo e lá foi falar com o operador da máquina
que no seu melhor português acabou por confirmar as minhas suspeitas.
O
casal estava inconformado com o que tinha acontecido à casota do animal que
protegiam e afastaram-se dizendo que iam apresentar reclamação ao engenheiro
responsável pela obra, porque aquilo não se fazia.
Olhei
então para o antigo pombal, envolto na poeira das velhas casas que iam sendo metodicamente
demolidas e pensei se não estaria a assistir aos seus últimos dias. Será que da
próxima vez que fosse para aquelas bandas ver o andamento dos trabalhos ele ainda
por lá estaria ou se teria tido o mesmo destino da casota do cão? Pensei.
O
“progresso” tem destas coisas, umas são sacrificadas para que outras nasçam. A
obra começou, foi-nos prometido que pelo menos o emblemático miradouro lá
ficaria, esperemos que o mesmo não tenha a mesma sorte da barraca do cão e,
quem sabe, o mais que certo fim do outrora belo pombal que ainda fotografei,
provavelmente para memória futura.
Rui Canas Gaspar
2014-agosto-08
www.troineiro.blogspot.com
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