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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

José de Sousa, um bombeiro desgostoso

Embora estivéssemos em janeiro a manhã apresentava-se com uma agradável temperatura, pelo que se tornava agradável andar um pouco pelo meu velho Bairro de Troino, depois de ter tratado dos assuntos de ordem profissional que me propus desenvolver nesta manhã.

Gosto de observar as gentes da minha terra, as casas onde muitos dos meus amigos e pessoas conhecidas viveram. Enquanto ia olhando um pouco para todo o lado dei comigo a sorrir com o pensamento que tinha tido há muitos anos quando me dei ao trabalho de contar as pessoas que tinha cumprimentado desde que saíra de casa até chegar à Praça do Bocage. Foram mais de trinta…

Naquele tempo parece que toda a gente se conhecia. Hoje, depois de mais de uma hora a andar parei junto de um dos cinco passos existentes em Setúbal, a capelinha dedicada a São Marçal, patrono dos bombeiros e até esse momento  não tinha aparecido ninguém conhecido.

Estive a apreciar aquela capelinha, outrora sempre limpa e bem tratada e onde na época natalícia podíamos ver um grande e bem elaborado e tradicional presépio, que carinhosas e calejadas mãos tomavam à sua responsabilidade.

Vi, apreciei, fotografei e fiquei desgostoso com o ar triste a que a mesma se encontra, com vidro partido, reboco a cair, fios elétricos pendurados e um aspeto de abandono, condizente com  muitas das habitações da zona da minha meninice.

Pensativo, deixo aquele local e entro na Rua Direita de Troino, e eis que me cruzo com um homem que vem andando devagar apoiado numa canadiana. Reconheço-o, cumprimento-o, é a primeira saudação do dia. Ele não me conhece, são quase quinze anos de diferença que nos separam, ele era já um homem enquanto eu não passava de um puto.

Paro e entabulo conversa com aquele homem que não me conhecia, embora a sua imagem me tivesse ficada retida na memória ao longo de décadas.

José de Sousa, 79 anos, nascido em Troino, na Rua do Castelo, bombeiro, era ele que tratava daquela capelinha até 2011, a sua saúde já não lhe permite desenvolver essa tarefa como outrora o fez com tanto carinho e empenhamento. O mesmo empenhamento que colocou ao serviço dos seus conterrâneos no combate a centenas de fogos na nossa terra.

Hoje o nosso amigo José de Sousa teve oportunidade de encontrar alguém com quem conversar uns minutos sobre um assunto que tanto lhe diz e ao referir-se àquela e à outra capelinha existente no Larga da Veronica, que também cuidava não deixa de se manifestar de forma verbal violenta contra um antigo presidente da Câmara que mandou arrancar os azulejos que ele próprio colocara naqueles espaços, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal.

Não há dúvida que o ótimo é inimigo do bom e se de facto é como o amigo José de Sousa diz provavelmente os azulejos teriam sido mandados retirar por não serem condizentes com a época e estilo da construção. Porém, o lamentável estado que estas capelinhas agora se encontram é bem pior do que os azulejos que lá teriam sido colocados em tempos.

Há coisas que me custam a entender nesta nossa terra. Se estivéssemos a falar de obras de grande vulto e que envolvessem verbas substanciais, ainda vá que não vá, agora picar, rebocar, pintar e dar um ar limpo e decente a um espaço com aproximadamente uma dezena de metros quadrados é mesmo denotar uma falta de competência e sensibilidade a toda a prova.

Não sei de quem é a responsabilidade pelo miserável estado destes emblemáticos edifícios. Se da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal, alegadamente o seu proprietário; da Igreja Católica, atendendo a que são locais de devoção católica; se da Câmara Municipal pelo facto de se tratar de peças únicas do nosso património edificado.

O que não restam dúvidas é que nem eu gostei, nem o Bombeiro José de Sousa gostou do que vimos. Também duvido que algum dos nossos amigos, troineiros ou não, gostem daquilo que se nos apresenta.

Rui Canas Gaspar

2014-janeiro-10


texto editado pelo jornal Folha Sadina na edição de 20 de janeiro de 2014

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