A história de uma velha imagem
O Moscatel de Setúbal foi colocado na mesa improvisada,
forrada com uma tela de sinalização para aeronaves, onde fez companhia ao vinho
do Porto e outras bebidas, algumas conservas e poucas iguarias que os familiares
tinham feito chegar a Bijene, na Guiné, fronteira norte com o Senegal.
Na ausência de pinheiro de Natal um ramo de mangueira,
enfeitado com estrelas recortadas dos revestimentos dos maços de tabaco
tentavam dar um ar natalício àquela noite onde um grupo de militares
confraternizavam longe das suas famílias e de olhar atento para o escuro de
onde poderia surgir um ataque dos guerrilheiros do PAIGC.
Não por beber demais, mas pelas misturas feitas, o que comi
e bebi acabou por sair e no dia seguinte estava de ressaca. Porém a fémea do
mosquito anophellis já me tinha dado uma beijoca e o organismo mais fraco não
resistiu ao paludismo (ou malária) que atacou em força.
Uma semana depois, naquela zona inóspita não havia condições
para tratar o doente e foi solicitado que uma avioneta militar me transportasse
para o Hospital Principal em Bissau.
A velha DO Dornier 27 do tempo da 2ª Guerra Mundial estava a
fazer-se à pista de aterragem quando os guerrilheiros começaram a atacar, os
camaradas pediam que eu corresse e me enfiasse no abrigo, mas mal podia com as
botas e estava tão magro que era difícil acertarem neste alvo móvel.
A avioneta não chegou a aterrar e só pouco depois retornou
pousando o tempo suficiente para atirar para o solo umas sacas com correio e
para eu entrar, levantando de imediato.
Já no hospital a coisa ia de mal a pior e, quase sem forças
e mais parecendo um esqueleto vaidoso perguntei ao enfermeiro se isto era para
morrer ou não.
Resposta pronta do rapaz: -Olha!
estamos à espera de uma injeção que vem da metrópole. Se ela chegar a tempo
safas-te, se não lerpas.
Bem a injeção pelos vistos chegou a tempo, nem sei onde a
espetaram porque era só pele e osso…
Alguns dias depois tentei colocar um ar mais agradável e com
um visual mais tipo chinês que português fotografaram-me vestido com o pijama
do hospital e enviei a imagem para a minha mãe para que ela pensasse que estava
numa qualquer colónia de férias.
Hoje fui encontrar a fotografia que partilho aqui com os
amigos, com a certeza de que como não “lerpei” vão continuar a ler as mais
diferentes histórias contadas por quem já muito viveu e provavelmente ainda por
cá ficará o tempo suficiente para contar mais e vocês para me aturar.
Abreijos e fiquem em casa se puderem.
Rui Canas Gaspar
Troineiro.blogspot.com
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