notícias, pensamentos, fotografias e comentários de um troineiro

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Perca de tempo

A internet tem destas coisas, tem a particularidade de não só aproximar as pessoas como também avivar algumas memórias que quase já se encontravam esquecidas, ou pelo menos esfumadas, como foi o caso daquela que agora aqui partilho.

João Teles é um nortenho, bom amigo, que serviu comigo no Centro Criptográfico do Exército, no Quartel-General, em Bissau, como militares recrutados para o serviço obrigatório que então vigorava em Portugal.

Eu pertenço à incorporação de 1969 e servi durante 27 meses na Guiné, numa altura em que se dizia que não deveríamos ali servir por mais de 18 meses, atendendo à insalubridade e tipo de guerra que se travava no território.

Acontece que tendo eu ido em rendição individual, era suposto só ser dispensado depois da chegada do meu substituto. Porém o tempo passava e nem o substituto chegava nem eu saía daquela colónia, oficialmente província ultramarina, quando o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) levava as suas ações de combate cada vez mais perto da capital.

Falava com o tenente, oficial de carreira que chefiava o Centro Cripto, no entanto o homem, com o seu jeito um pouco esquisito, tipo efeminado, insistia que eu só sairia da Guiné quando chegasse mesmo o meu substituto, ao que eu contrapunha com a argumentação de que se o mesmo nunca mais chegasse nunca mais eu sairia de lá. Porém, tudo não passava de conversa fiada, terminando sempre com a ameaça de levar um castigo pela minha “língua comprida” segundo ele…

Foi então que a oportunidade surgiu, e quando fui entregar algumas mensagens classificadas ao Chefe do Estado Maior, Tenente Coronel Salazar Braga, aproveitei para lhe ofertar o BALAFOM, uma revista policopiada que dinamizava conjuntamente com alguns escuteiros que se encontravam mobilizados nas diversas Províncias Ultramarinas.

Disse então àquele oficial que seria o ultimo BALAFOM, porquanto deveria estar de abalada, atendendo a que já tinha 27 meses de Guiné sem que o meu substituto aparecesse e sem que o chefe do Centro Cripto algo fizesse para resolver a situação. O oficial superior ouviu atentamente não disse nada a não ser desejar-me felicidades.

Passavam poucos minutos quando cheguei ao Centro Cripto, que distava alguns metros apenas do gabinete do CEM, já o tenente me esperava e de faces vermelhas ameaçava-me com uma “porrada” por ter ido fazer queixa dele. Lá lhe esclareci que não tinha feito queixa nenhuma e apenas partilhado o meu desagrado por ainda ali estar passados tantos meses sem data anunciada sequer para retornar a Portugal.

O que aconteceu não sei, o que foi falado desconheço mas o certo é que poucos dias depois, embarcava num boeing dos TAM (Transportes Aéreos Militares) e chegava a Lisboa onde fui desmobilizado depois de ter servido Portugal, durante 39 longos meses, incorporado no serviço militar obrigatório como o foram tantos milhares de jovens da minha geração.

O Estado Português soube ser generoso para com estes militares que arriscaram as suas jovens vidas e por isso mesmo, depois dos mesmos se reformarem, anualmente envia-lhes um cheque de 150 euros, brutos, a que serão deduzidos os naturais e inevitáveis impostos…

Estas memórias vieram-me à mente graças à internet, é que hoje logo pela manhã recebi uma mensagem do Teles que acompanhando a foto daquele distinto militar que foi Salazar Braga escrevia esta curta nota perguntando-me se me lembrava do oficial cuja foto anexava.

Obrigado Teles, velho amigo, que tão boas memórias guardo dos tempos em que servimos naquela insalubre terra tornada independente mas que passados tantos anos, pouco ou nada progrediu, para não dizer que regrediu.


Que tempo nós e os guerrilheiros do PAIGC perdemos…

Sem comentários:

Enviar um comentário