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terça-feira, 24 de março de 2015

Uma história de amor setubalense

Noelle Pérez, nascida em 1926 era uma bonita etnóloga, terapêutica e investigadora do Institut Supérier d’Apolamb, em Paris, autora de dezenas de livros. Veio pela primeira vez a Portugal, no início dos anos 80 do século XX, depois de correr muitos países do mundo, à procura de respostas para as suas incomodativas dores de costas, desiludida que estava com a medicina tradicional.

Setúbal, o último porto da Europa onde ainda existiam descarregadores de peixe, chamou a particular atenção da investigadora francesa que diria:
"Comecei a estudar a postura das pessoas que carregam à cabeça e descobri que, apesar de terem trabalhos duros, nunca têm dores de costas. São pessoas elegantes, como imperadores ou princesas, com um porte de costas muito bonito".

E foi em Setúbal que Noelle encontrou José Miguel da Fonseca, nascido em  1931, um descarregador de peixe, cuja profissão já vinha de família. Um homem que não sabia ler nem escrever, que passava as suas horas de lazer nas tabernas, senhor de elegante porte e sem quaisquer problemas de coluna.

Conhecido popularmente por Zé Miguel tratava-se de um cativante contador de histórias, homem honesto, humilde, ingénuo, corajoso e sensível, que pintava desde os 10 anos de idade, enquanto tomava conta dos irmãos, órfãos de pai.

Embora Noelle não dominasse o português e José Miguel não falasse francês, o facto é que a comunicação entre os dois começou a fluir. Ela era mais velha seis anos que ele e mais culta, mas isso não impediu que se apaixonassem.

Já não eram novos quando se decidiram casar. Ele teria então 46 anos  e num local pouco comum, na Praça de Touros de Alcochete,  oficializaram a sua relação para espanto de muita gente da sua terra de homens do mar.

O casal começou a dividir a sua vida entre o apartamento que Noell possuía em Paris e a modesta casa que José Miguel tinha em Setúbal e juntos fizeram varias viagens um pouco por todo o mundo.

Em 1999 José Miguel, graças ao incentivo de Noell, que reconhecia o talento do marido, começou a pintar ao mesmo tempo que dava aulas de postura na capital francesa.

O artista naif setubalense, cujos trabalhos eram muito apreciados, enfileirando com os melhores no seu género, expôs as suas obras com sucesso na capital francesa, em Itália, Suíça, Holanda, Estados Unidos e em vários outros locais do mundo, incluindo Portugal, na cidade que o viu nascer.

Setúbal homenageou-o atribuindo-lhe a medalha de Honra da Cidade, na classe Atividades Culturais.

Provavelmente o segredo do sucesso deste invulgar casal com várias dezenas de anos de união resida no facto de se aceitarem tal como são e não quererem modificar a maneira de ser e de estar um do outro, a fazer fé na declaração de José Miguel: “Para mim tudo o que ela faz está bem, para ela tudo o que eu faço está bem”.

Rui Canas Gaspar
2015-março-24

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