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domingo, 26 de janeiro de 2014

Será que estamos  a ficar “descabeçados”?

Há muito, muitos anos, já lá vai pouco mais de meio século, quando era um menino e frequentava o ciclo preparatório na Escola Industrial e Comercial de Setúbal, as férias grandes foram aproveitadas não para ir para a praia ou ir brincar, mas sim para conhecer o mundo do trabalho.

O dinheiro lá por casa não abundava e todos os tostões eram bem-vindos, pelo que minha mãe foi falar com o saudoso Norberto Aleluia dos Reis, um jovem comerciante, que havia pouco tempo tinha ficado com a posse da Sapataria 53 e que fez o favor de me deixar trabalhar no seu estabelecimento.

Comecei por ali arrumar as caixas de sapatos, organizar prateleiras para além de fazer o necessário serviço de armazém. No final do dia, quando a sapataria fechava, levava caixas de sapatos a casa de alguns clientes que resolviam fazer a escolha em casa e outros que tendo-os comprado não se queriam dar ao trabalho de levar o saquinho e lá ia eu entregar os novos sapatos ao domicílio.

Este fim de semana dei comigo a meditar nestas vivências, porque ao passar pela Rua Álvaro Castelões, na baixa da cidade, verifiquei que a sapataria estava fechada e as montras cobertas. Claro que como bom “cusca” decidi entrar no estabelecimento do lado e perguntar o que se passava.
A sapataria 53 com cerca de três quartos de século tinha fechado e provavelmente não voltaria a abrir!...

Naquele tempo em que por lá trabalhei, certo dia fui entregar uns sapatos novos a uma senhora espanhola dona de uma fábrica de conservas de peixe ali para os lados do Bonfim, a simpática senhora ao invés de me dar uma moedinha como gratificação (que eu sempre estava à espera…) ofereceu-me uma lata de conservas de peixe, o que não foi mau de todo, embora eu preferisse a gratificação tradicional.

Hoje passei pela casa dessa senhora com o objetivo de tentar melhor aperceber-me do trabalho ali desenvolvido Há meio século e acabei por captar algumas imagens daquela que foi a outrora dinâmica fábrica conhecida entre os setubalenses como os “Espanhóis do Bonfim”.

Dei então comigo a pensar que não é só a nossa sociedade está em rápida mudança mas tudo o que nos rodeia fisicamente e que representaria as nossas referências e a nossa memória coletiva.

Acho que temos de tentar preservar alguma coisa, porque um povo sem memória é como um corpo sem cabeça e esse certamente de pouco servirá. Digo eu…

Rui Canas Gaspar
2014-janeiro-26








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