Será que estamos a ficar “descabeçados”?
Há
muito, muitos anos, já lá vai pouco mais de meio século, quando era um menino e
frequentava o ciclo preparatório na Escola Industrial e Comercial de Setúbal,
as férias grandes foram aproveitadas não para ir para a praia ou ir brincar,
mas sim para conhecer o mundo do trabalho.
O
dinheiro lá por casa não abundava e todos os tostões eram bem-vindos, pelo que
minha mãe foi falar com o saudoso Norberto Aleluia dos Reis, um jovem
comerciante, que havia pouco tempo tinha ficado com a posse da Sapataria 53 e
que fez o favor de me deixar trabalhar no seu estabelecimento.
Comecei
por ali arrumar as caixas de sapatos, organizar prateleiras para além de fazer
o necessário serviço de armazém. No final do dia, quando a sapataria fechava,
levava caixas de sapatos a casa de alguns clientes que resolviam fazer a
escolha em casa e outros que tendo-os comprado não se queriam dar ao trabalho
de levar o saquinho e lá ia eu entregar os novos sapatos ao domicílio.
Este
fim de semana dei comigo a meditar nestas vivências, porque ao passar pela Rua Álvaro
Castelões, na baixa da cidade, verifiquei que a sapataria estava fechada e as
montras cobertas. Claro que como bom “cusca” decidi entrar no estabelecimento
do lado e perguntar o que se passava.
A
sapataria 53 com cerca de três quartos de século tinha fechado e provavelmente
não voltaria a abrir!...
Naquele
tempo em que por lá trabalhei, certo dia fui entregar uns sapatos novos a uma
senhora espanhola dona de uma fábrica de conservas de peixe ali para os lados
do Bonfim, a simpática senhora ao invés de me dar uma moedinha como
gratificação (que eu sempre estava à espera…) ofereceu-me uma lata de conservas
de peixe, o que não foi mau de todo, embora eu preferisse a gratificação tradicional.
Hoje
passei pela casa dessa senhora com o objetivo de tentar melhor aperceber-me do
trabalho ali desenvolvido Há meio século e acabei por captar algumas imagens
daquela que foi a outrora dinâmica fábrica conhecida entre os setubalenses como
os “Espanhóis do Bonfim”.
Dei
então comigo a pensar que não é só a nossa sociedade está em rápida mudança mas
tudo o que nos rodeia fisicamente e que representaria as nossas referências e a
nossa memória coletiva.
Acho
que temos de tentar preservar alguma coisa, porque um povo sem memória é como
um corpo sem cabeça e esse certamente de pouco servirá. Digo eu…
Rui Canas Gaspar
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