A sabedoria da idosa senhora
setubalense
Final
da tarde, o sol já vai encadeando os automobilistas que se deslocam pela
Avenida Luísa Todi, no sentido nascente/poente, quando reparo numa idosa
completamente trajada de preto, colhendo negros martunhos nos tufos que se
encontram a decorar o canteiro.
E
porque levava também alguns raminhos com os frutos agarrados dirigi-me à
senhora para a questionar sobre o porquê da sua colheita e que utilidade iria
dar aos raminhos.
Curiosamente
reconheceu-me e tratando-me pelo meu nome explicou que iria fazer aguardente de
martunho e que todos os dias ali outras pessoas iam colher as pequenas bagas.
Esta
é a matéria-prima com que, segundo a tradição, os monges da Arrábida faziam um
licor que se diz ter uma fórmula secreta e que nos nossos dias o vemos
comercializado com a designação de Arrabidine.
Numa
garrafa, a velha senhora irá juntar a mesma quantidade destes frutos silvestres
com idêntica quantidade de aguardente, adicionará algum açúcar e juntará um
pouco de canela, provavelmente dois ou três pauzinhos desta especiaria.
Depois
deixará ficar engarrafado alguns meses e mais tarde servirá aos seus filhos,
sim, porque a velha senhora confeciona esta antiga especialidade, mas não bebe.
Depois
de ter visto alguém a colher as azeitonas das muitas oliveiras dispersas pela
cidade, e que serão destinadas a deliciosa conserva, uns meses antes tinha
visto também pessoas a apanhar as folhas e flores das muitas dezenas de
agradáveis e bem cheirosas tílias que nos proporcionam uma agradável infusão, é
agora o momento da colheita dos martunhos, dos negros pois claro, porque os
brancos ainda estão com a maturação atrasada.
E
assim se pode juntar o útil ao agradável, não deixando desperdiçar o que
podemos aproveitar, sobretudo por aqueles que mais necessidade têm e cuja
sabedoria lhes permite tirar o melhor partido do que a natureza e a cidade lhes
oferece.
E
porque Setúbal já foi terra de grandes laranjais, porque não plantar também
pelos parques da cidade algumas destas árvores? Quanto aos frutos? Não faria
mal a ninguém que quem os quisesse colhesse, porque sempre é preferível alguém usufruir
para alívio da sua carteira do que plantar arvores que não produzem coisa
nenhuma. Digo eu!...
Rui
Canas Gaspar
2015-outubro-08
www.troineiro.blogspot.com
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