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terça-feira, 27 de outubro de 2015

No defeso, em Setúbal, empenhava-se tudo para sobreviver

Nos anos cinquenta do século XX, em Setúbal, os cinzentos dias de Inverno eram particularmente chuvosos e frios e as casas onde viviam os pescadores e conserveiras na sua generalidade eram de construção precária o que potenciava a miséria que os afligia.

Era o tempo do defeso da pesca da sardinha e sem apoios institucionais de qualquer ordem as famílias sofriam as mais severas aflições. A fome grassava por toda a cidade e eram as casas de penhores aquelas que mais negócio faziam, formando-se longas filas às suas portas.

Como os bens de consumo eram escassos tudo tinha algum valor e, como tal, tudo servia de penhor a troco de algum empréstimo.

Como contrapartida ao dinheiro emprestado as pessoas deixavam como garantia não só objetos de ouro ou prata mas também peças de roupa de cama, ou mesmo vestuário e calçado.

Durante o prazo de empréstimo, mensalmente o devedor tinha de pagar juros e, se deixasse passar o prazo concedido para o mesmo sem pagar a prestação perdia o objeto a favor da casa de penhores que periodicamente procedia a leilão das peças em seu poder.

Certo dia, e tendo passado algum tempo sobre o pagamento de juros vencidos, uma jovem dirigiu-se a um prestamista que operava em Troino a fim de poder liquidar as cautelas em atraso do fato do pai empenhado por sua mãe.

O empregado consultou a lista e com ar pesaroso informou que já não podia levantar o fato porque já tinha prescrito o prazo e por isso mesmo teria sido vendido em leilão no dia anterior.

Copiosas lágrimas correram pelo rosto da jovem senhora, aquele era o único fato do pai, e essa era a roupa que ele deveria levar para a sua última morada, agora que tinha acabado de falecer.

Outra vez foi um rapaz que ali se dirigiu para dar conta de que na semana seguinte liquidaria o empréstimo concedido a sua mãe, ele estava convencido de que só nessa data seria o derradeiro dia de pagamento.

Porém, o funcionário da casa de penhores virando-se para o rapaz informou-o que ele estaria enganado na data e que era nesse mesmo dia que o empréstimo se vencia, sendo assim no dia seguinte o objeto dado como garantia iria mesmo para leilão.

O rapaz ficou desesperado, saiu da loja cabisbaixo, mas, pouco tempo depois, retornou com os próprios sapatos na mão. E, foi precisamente esse par de sapatos que empenhou e com o dinheiro pagou a prestação evitando que o objeto dado em garantia do empréstimo concedido fosse a leilão.

Caso verídicos como estes eram recorrentes entre a população setubalense naqueles dias cinzentos e tristes de defeso quando a fome grassava um pouco por todo o lado nesta terra de gente do mar. 

Rui Canas Gaspar
2015-outubro-27

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