A SETUBAUTO que virou loja
de chinês
Tinha
acabado de parquear o meu carro quando ao sair dei por mim a olhar para aquela
montra do enorme “Hiper China” com todas aquelas roupas expostas para venda ao
público.
Porém
se a vista observava os artigos expostos o cérebro recuando no tempo mostrava-me
os brilhantes “anglias”, “taunus”, “cortinas”, “escorts” e tantos outros modelos da Ford que
ali estiveram naquelas montras ao longo de vários anos.
O
rosto severo do Sr. Carlos Santos, o primeiro a chegar e o último a sair, patrão
que tratava dos assuntos gerais e da parte oficinal, contrastava com o do seu
sócio, Madeira Lopes, o sorridente e bem-disposto responsável pela área comercial. Também eles
me vieram à mente.
Pensei
também nos outros colegas de trabalho da secção de vendas: O Balugas,
responsável pela delegação do Barreiro; o Passas, pela de Almada; o José
Armando, que percorria os campos das redondezas vendendo os tratores Ford; o
Ramalho responsável pelo setor dos camiões, o Neves que dirigia a delegação de
Santiago de Cacém; o Rui Branco que atuava normalmente na cidade, o Enrique,
descendente de galego que era o responsável pela nossa secção.
Depois
havia a sorridente Rosinha que tratava de documentação, a Aida com a sua
memória de elefante (dizia-se a matrícula do carro e ela indicava o nome do
proprietário)e o jovem Elizeu que estudava
com os livros dentro da gaveta da secretária, não fosse o patrão chegar. Hoje é
um conceituado cirurgião.
Também
me lembrei que foi ali, junto àqueles carros em exposição que em 1973 fui
chamado por dois senhores que me queriam falar. Tratavam-se de agentes da
PIDE/DGS a polícia política de má memória que me queriam interrogar a propósito
de uma conversa havida naquele local de trabalho e que um colega, que tão bem
exercia o papel de “bufo” tratou de denunciar.
Pensei
e vislumbrei momentaneamente a azáfama daquele meu antigo local de trabalho,
onde muitos setubalenses trabalharam e onde muitos outros adquiriram os modelos
da Ford que ali se comercializavam e senti uma certa nostalgia por aquilo que
os meus olhos agora viam.
A
vida é assim, cheia de mudanças, e por isso a dinâmica “SETUBAUTO” é agora a “Hiper
China”. O outrora dinâmico concessionário Ford não resistiu às mudanças e aos
conturbados tempos que se seguiram à revolução de 25 de abril e desta forma perderia
a corrida.
Hoje
aquelas montras já não exibem os reluzentes bólides de outrora, elas chamam a
atenção das pessoas que por ali passam com uma enorme variedade de roupa,
calçado e quinquilharia. Longe vão os tempos em que o operariado setubalense
começou a ganhar dinheiro nas fábricas de montagem de automóveis e ali ia
comprar o seu carrinho com o recurso ao crédito, titulado por letras.
Fotografei
aquela casa onde durante alguns anos trabalhei, meti-me no meu carro que agora
também já não é um Ford e fui tratar do resto da vidinha, porque esta pode
mudar, mas não para, nem pode parar mesmo!
Rui
Canas Gaspar
2015-novembro-03
www.troineiro.blogspot.com
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