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terça-feira, 3 de novembro de 2015

A SETUBAUTO que virou loja de chinês

Tinha acabado de parquear o meu carro quando ao sair dei por mim a olhar para aquela montra do enorme “Hiper China” com todas aquelas roupas expostas para venda ao público.

Porém se a vista observava os artigos expostos o cérebro recuando no tempo mostrava-me os brilhantes “anglias”, “taunus”, “cortinas”,  “escorts” e tantos outros modelos da Ford que ali estiveram naquelas montras ao longo de vários anos.

O rosto severo do Sr. Carlos Santos, o primeiro a chegar e o último a sair, patrão que tratava dos assuntos gerais e da parte oficinal, contrastava com o do seu sócio, Madeira Lopes, o sorridente e bem-disposto  responsável pela área comercial. Também eles me vieram à mente.

Pensei também nos outros colegas de trabalho da secção de vendas: O Balugas, responsável pela delegação do Barreiro; o Passas, pela de Almada; o José Armando, que percorria os campos das redondezas vendendo os tratores Ford; o Ramalho responsável pelo setor dos camiões, o Neves que dirigia a delegação de Santiago de Cacém; o Rui Branco que atuava normalmente na cidade, o Enrique, descendente de galego que era o responsável pela nossa secção.

Depois havia a sorridente Rosinha que tratava de documentação, a Aida com a sua memória de elefante (dizia-se a matrícula do carro e ela indicava o nome do proprietário)e  o jovem Elizeu que estudava com os livros dentro da gaveta da secretária, não fosse o patrão chegar. Hoje é um conceituado cirurgião.

Também me lembrei que foi ali, junto àqueles carros em exposição que em 1973 fui chamado por dois senhores que me queriam falar. Tratavam-se de agentes da PIDE/DGS a polícia política de má memória que me queriam interrogar a propósito de uma conversa havida naquele local de trabalho e que um colega, que tão bem exercia o papel de “bufo” tratou de denunciar.

Pensei e vislumbrei momentaneamente a azáfama daquele meu antigo local de trabalho, onde muitos setubalenses trabalharam e onde muitos outros adquiriram os modelos da Ford que ali se comercializavam e senti uma certa nostalgia por aquilo que os meus olhos agora viam.

A vida é assim, cheia de mudanças, e por isso a dinâmica “SETUBAUTO” é agora a “Hiper China”. O outrora dinâmico concessionário Ford não resistiu às mudanças e aos conturbados tempos que se seguiram à revolução de 25 de abril e desta forma perderia a corrida.

Hoje aquelas montras já não exibem os reluzentes bólides de outrora, elas chamam a atenção das pessoas que por ali passam com uma enorme variedade de roupa, calçado e quinquilharia. Longe vão os tempos em que o operariado setubalense começou a ganhar dinheiro nas fábricas de montagem de automóveis e ali ia comprar o seu carrinho com o recurso ao crédito, titulado por letras.

Fotografei aquela casa onde durante alguns anos trabalhei, meti-me no meu carro que agora também já não é um Ford e fui tratar do resto da vidinha, porque esta pode mudar, mas não para, nem pode parar mesmo!

Rui Canas Gaspar
2015-novembro-03

www.troineiro.blogspot.com

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