Dona Ribeira do Livramento
está desejosa de nova vida
Dona
Ribeira do Livramento é palmelense, nasce algures entre as Serras de S. Luís e
do Louro e vem correndo por essas serras abaixo, desde que se apaixonou pelo
seu maravilhoso marido, o senhor Sado, sempre desejosa por o abraçar e beijar
apaixonadamente.
Em
tempos, quando ela era mais jovem, corria mais apressada. Atravessava a várzea, perfumava-se com o agradável
cheiro campestre e no Inverno até fazia questão de trazer consigo muitas e boas
laranjas para oferecer aos setubalenses que acorriam até ao local da sua
chegada, ali junto à doca de recreio, onde o Clube Naval Setubalense tem as
suas instalações.
Os
anos passaram e, como as forças já não são as mesmas, hoje já não corre célere
pelas férteis terras onde muitas quintas produziam as mais variadas frutas e
vegetais que alimentavam boa parte da população setubalense.
Ela
que corria livre e despida de qualquer veste, viu os homens primeiramente cobrirem-lhe desde a sua foz até
ao Largo de Jesus, como que vestindo-lhe uma saia, neutralizando assim as simpáticas
pontes por onde os habitantes de Troino e da Fonte Nova atravessavam para virem
até à zona nascente.
Mais
tarde, outros homens haveriam de cobri-la, desta vez até um pouco para norte do
Parque do Bonfim, como se desta vez lhe envergassem uma camisa e, por cima dessa
cobertura, construiriam avenidas a que deram o nome de 22 de Dezembro e de
Independência das Colónias.
Com
a construção da variante da Várzea, posteriormente batizada como Avenida da
Europa, mais uma pequena cobertura foi feita, complementando o vestuário como
se fosse um lenço a cobrir a cabeça da velha senhora.
Agora
é vê-la debilitada, sem forças para correr e sem o perfume de outrora. Coitada
da pobre e velha senhora, que continua a passar ao lado daquelas casas em
ruinas e dos campos onde já quase não são vistas as laranjeiras e muito menos
as viçosas couves, alfaces e demais produtos hortícolas.
Dizem
os homens que lhe irão dar um final de vida bem mais agradável. Que irão
construir uma Estação de Tratamento de Águas Residuais, de forma a que o cheiro
nauseabundo possa desaparecer. Dizem que irão reter algumas das suas águas
tratadas e construir bonitos lagos e anunciam que naqueles abandonados campos
por onde um dia correu livremente, crianças correrão também por amplos relvados
repletos de frondosas árvores.
A
velha e cansada senhora, aguarda agora esperançosa que os setubalenses, que
tudo isto prometeram, o façam no mais curto espaço de tempo, dentro das suas
possibilidades financeiras. Pois claro! porque os tempos não vão de feição…
Gostaria
a dona Livramento que ao correr pela Várzea pudesse também ver estas obras
bonitas mas também gostaria de olhar para algumas outras construídas por diversos
homens que por ali labutaram há muitos anos, como por exemplo aquele bonito
miradouro que dizem ter sido uma das primeiras obras em betão armado construído
em Portugal e aquele pombal, que ainda serve de abrigo aos descendentes dos
primeiros habitantes.
De
facto, a asseada senhora agora não exala o melhor cheiro e está desejosa de
tomar um bom banho e de se vestir de novo com a graça e cor de outrora, embora
sabendo que as suas forças já não lhe permitem correr como então, antevendo, no
entanto, que vai ter enorme prazer ao ver as crianças e seus pais virem
deliciar-se com a sua simples presença.
Rui
Canas Gaspar
2014-novembro-11
www.troineiro.blogspot.com
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