Quem quer comprar as instalações da ex-PIDE/DGS de Setúbal?
Ao passar por uma das ruas do
Bairro Salgado, em Setúbal, reparei numa moradia com a placa de uma agência imobiliária
dando conta que a mesma estaria para venda. Nada de especial, não fosse uma
outra pequena placa que ainda por lá ostenta dando conta de que ali teriam
funcionado os serviços da Autoridade Florestal Nacional do Ministério do Agricultura
e do Mar.
Porém, até à revolução de 25 de
abril de 1974 uma outra placa, mais sinistra, podia ver-se afixada naquelas
instalações, a da PIDE/DGS a temida polícia política do Estado Novo.
Ao olhar para aquele edifício o meu
pensamento rapidamente recuou no tempo e veio-me à mente aquele dia, quando
cumpria serviço militar em Leiria, antes de concluir a especialidade que me
permitia aceder a informação privilegiada, ter sido obrigado, tal como todos os
camaradas de curso, a preencher a própria ficha com informações pessoais
destinada à tal polícia política, de má memória.
Cerca de três anos depois de ter
preenchido essa ficha para a PIDE/DGS e já depois de ter cumprido o serviço
militar, primeiro no Batalhão de Reconhecimento de Transmissões, na Trafaria e,
depois do Quartel-General em Bissau, regressei à vida civil e retomei o meu
antigo posto de trabalho na secção de vendas da Setubauto, antigo
concessionário Ford em Setúbal.
E, foi aí, no final de 1972 ou
início de 1973, numa, conversa casual sobre a atualidade, a propósito de umas
bombas que teriam deflagrado por aqueles dias, que partilhei com os colegas presentes
a informação de que teria sido determinado movimento revolucionário que as
teria colocado.
Esta informação ter-me-ia chegado
à mão por intermédio de um panfleto informativo enviado para a minha residência,
por um anónimo, que a fez chegar por correio, em envelope timbrado do jornal
EXPRESSO.
No dia seguinte a ter havido esta
conversa entre colegas da mesma empresa, o telefone interno tocou e um colega
pedia-me que me dirigisse ao salão de exposição automóvel onde dois senhores
queriam falar comigo.
E, foi nessa altura, que pela
primeira vez tomei contacto direto com dois agentes da PIDE/DGS os quais sem
perderem muito tempo logo ali me interrogaram sobre a conversa que tinha tido
no dia anterior e sobre os tais impressos que teria recebido, tentando que lhes
indicasse a proveniência. Coisa que eu não sabia, como então declarei.
O assunto aparentemente morreu
por ali, e antes daqueles agentes se irem embora não deixaram de fazer a
recomendação de eu deveria ter cuidado com as companhias e, caso recebesse mais
alguns daqueles panfletos informativos que lhos entregasse.
Bem, a partir daquele dia e até
ao restante tempo que estive empregado na Setubauto tive o máximo de cuidado
com o tipo de conversas com os colegas e, embora continuando a receber alguma
informação revolucionária, nunca mais falei no assunto com eles.
Faltaria pouco tempo para que na
primaveril manhã de 25 de abril de 1974 um punhado de jovens militares
proporcionasse a oportunidade ao povo português de se exprimir livremente, sem
receio de algum dos seus “amigos” fazer passar para a polícia política o teor
de qualquer casual conversa.
Para os que não viveram esses
anos de ditadura, gostaria de acrescentar que um inofensivo texto como este
seria o suficiente para causar problemas ao seu autor, para além de ser censurado
pelo Regime vigente.
Passados tantos anos, este
episódio continua gravado na minha memória, pelo que não deixo de ter para mim,
que mal, por mal, mais vale uma má democracia do que uma boa ditadura. Pelo
menos agora exprimimo-nos livremente, às vezes até para dizer asneiras.
Rui Canas Gaspar
2014-outubro-01
www.troineiro.blogspot.com
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