notícias, pensamentos, fotografias e comentários de um troineiro

sábado, 8 de agosto de 2015

Memórias da “escola do barracão”

Deveria eu ter uns seis aninhos ou coisa que o valha quando naquele dia de inverno estreei umas novas botas de água, ou galochas como hoje se designam, pretas, envernizadas e com pelo por dentro de forma a torna-las mais quentinhas.

Tratou-se de um significativo esforço financeiro que minha mãe fez para as comprar de modo a que fosse mais agasalhado para a “escola do barracão”.

Certo dia, depois da que a escola acabou, subi algumas dezenas de metros pela Rua das Oliveiras até casa, com a sacola de serapilheira a tiracolo, (onde se destacava um bonequinho bordado por minha talentosa mãe) dentro da qual vinha a lousa e a “pena”.

Naquele dia eu caminhava um pouco desengonçado e de pernas um pouco mais abertas que o normal.

À entrada de casa minha mãe percebeu que algo não estava bem e pelo cheiro logo percebeu que as botas para além dos meus pés traziam algo menos bem cheiroso.

- Porque é que não pediste às senhoras para ir à retrete?

- Tive vergonha!...

- Ai sim? Pois então toca a despir para te lavar a ti e às botas novas.

A tarde estava fria, casa de banho não havia no nº 53 da Rua das Oliveiras e daquela vez não tive direito a ser lavado dentro do alguidar na cozinha com água aquecida numa cafeteira.

De pouco me valeu chorar e reclamar do frio. O banho foi dentro do alguidar sim, mas com água fria e tomado ao ar livre, naquele final de dia de Inverno, no pequeno quintal.

Acho que foi a partir desse momento que comecei a perder a vergonha de falar o que quer que fosse, por mais desagradável e por menos bem cheiroso que igualmente fosse. Porque mesmo assim sempre era preferível pedir para ir à retrete do que depois ter de tomar o banho no quintal com água fria.

Esta é uma memória que me ficou gravada da “escola do barracão”, uma escola particular que muitas crianças do nosso Bairro de Troino frequentaram e onde aprenderam as primeiras letras e onde eu indiretamente aprendi uma lição que jamais esquecerei por muitos anos que ainda viva.

Rui Canas Gaspar
2015-agosto-08

www.troineiro.blogspot.com

Sem comentários:

Enviar um comentário