Muito obrigado meus amigos
setubalenses
Nasci
no século XVIII em Setúbal, na Praça Machado dos Santos, que o povo gosta de
designar como “Fonte Nova”. Um espaço amplo onde a água leve e pura vinda de
uma nascente ali de perto corria pelas duas bicas da monumental fonte que ainda
hoje se encontra na minha frente, embora agora jorrando o líquido, em circuito
fechado, fornecido pelas Águas do Sado.
Foi
José da Rosa Guião e Abreu o responsável pelo meu nascimento, daí que todos os
meus amigos me começassem a conhecer por “Palácio Feu Guião” ou do “Adeantado”
coisa que ele nunca foi, embora tivesse exercido com zelo as funções de
competente Desembargador.
Tal
como todos vós, aquando jovem, era não só forte e bonito, mas também muito
apreciado entre os meus conterrâneos. Alguns artistas que não sendo
setubalenses aqui se deslocaram para fotografar e gravar a minha imagem na
tela.
Os
anos passaram, o meu progenitor morreu, fui entregue a outros e o peso dos anos
a que se juntou um grave acidente começou a dar cabo de mim. Sim, aquele
violento tremor de terra que me deu cabo de parte da “cabeça” perdão, do
telhado, da ala sul, foi o princípio do fim.
Foram
várias as vicissitudes porque passei ao longo da vida. Imaginem que após a
revolução de 25 de abril de 1974 foram muitos os que se aproveitaram de mim e
transformaram-me desde casa de teatro até armazém de ferro-velho.
Vocês
imaginam como é, serviam-se à grande e à francesa, mas tratar cá do velhote, tá
quieto!...
A
minha aparência digna foi-se esvaindo e cheguei ao princípio de outubro de 2014
num tal miserável estado que nem me reconhecia. Mas… o que mais me desgostava
era que os meus próprios conterrâneos olhavam para mim e comentavam com muita
pena por me verem neste lamentável estado.
Já
quase não tinha a roupagem que alguns chamam de reboco, muito menos a cor dessa
roupagem era visível e, na minha cabeça, em parte careca, nasciam uns
esquisitos tufos de cor verde, imaginem!...
Foi
então, com grande surpresa, que quase no final do mês de outubro vi colocarem
umas peças de andaime e um pedreiro começar por reparar as minhas vestes,
depois de consertadas as roupagens trataram de me pintar e, nem queiram saber
como fiquei bonito!
Embora
continuando a ser um velho e sem forças, hoje sinto-me como novo. Os meus
conterrâneos voltaram a gostar de mim, agora os seus comentários são agradáveis
e eu sinto-me como se tivesse renascido.
Há
apenas um senão, é que não consigo agora encarar alguns dos meus nobres irmãos,
nomeadamente o mais velho, o João Palmeiro, ele que dedicou toda a vida a
cuidar dos outros e hoje não tem quem se digne dar-lhe sequer um simples banho.
Será
que é pedir muito aos meus benfeitores que despendam meia dúzia de euros e
dispensem aos meus irmãos o mesmo tipo de tratamento? Como eu gostaria e como
lhes agradeceria!...
Rui Canas Gaspar
2014-novembro-02
www.troineiro.blogspot.com
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