Os papagaios de Troino
As
canas eram cortadas em finas tiras, depois duas delas eram atadas formando uma
cruz, colocava-se um fio à volta e forrava-se com papel de jornal, colado com
sabão negro.
Alguns
moços que tinham conseguido arranjar alguns tostões compravam uma folha de
papel colorido na papelaria da Fonte Nova, fazendo um papagaio mais bonito, por
vezes até com uma cauda de lindos laços de papel.
O
fio de pesca era atado no meio e com o vento que se fazia sentir no alto do
outeiro os papagaios e as goinhas esvoaçavam e os rapazes de Troino
desafiavam-se uns aos outros para ver qual dos seus engenhos chegaria mais
alto.
De
vez em quando, quando menos se esperava, lá vinha um a pique e o trabalho de
muitas horas lá ia para os anjinhos…
Era
com esta e outras inofensivas brincadeiras que nesta altura do ano os moços
setubalenses, dando azo ao seu engenho e arte se divertiam, no alto daquele outeiro
por cima da “fonte da charroca” cujo nicho ainda podemos ver na foto,
envergonhado e escondido por detrás dos contentores do lixo.
Era
também do alto deste outeiro que a rapaziada, com os seus olhos de lince
conseguia divisar e distinguir os barcos de pesca, que lá longe, para as bandas
do Outão, vinham a caminho da lota. Se eles traziam escolta de gaivotas logo
corriam a avisar as mães que os pais vinham aí e traziam peixe.
Era
assim à pouco mais de meio século, quando as laboriosas gentes do bairro de
Troino viviam na sua quase totalidade na dependência da pesca, especialmente da
sardinha, que nesta altura do ano não se podia pescar por se estar em altura do
defeso, uma medida ecológica que os pescadores e suas famílias tanto temiam.
Havia
fome naquelas casas, mas alegria nas ruas, não entre os preocupados adultos,
mas entre as ingénuas crianças que mesmo sem dinheiro conseguiam inventar e
fabricar os seus próprios brinquedos.
Eram
assim aqueles tempos que recordamos com saudade, mas que não queremos vê-los de volta.
Rui
Canas Gaspar
2015-fevereiro-09
www.troineiro.blogspot.com
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