Recordando um desfile carnavalesco em Setúbal
O ano de 1967 mal tinha começado quando os Caminheiros do Clan 1 de Setúbal do C.N.E. respondendo a uma solicitação da Comissão de Festas da Cidade encetaram um projeto com vista à sua participação no corso carnavalesco que deveria desfilar nesse ano.
Chegamos à conclusão que poderíamos organizar uma formação romana que transportaria o imperador Nero num palanque carregado por dois possantes escravos e um prisioneiro viking devidamente acorrentado.
Quase não havia dinheiro nenhum para levar de vencida tal projeto, mas muita imaginação e boa vontade. Por isso mesmo recorremos aos materiais mais baratos e cada um comprou uma folha de cartão e fita de nastro para fazer a sua própria armadura.
Com papel de jornal e cola de sapateiro, tendo por molde uma bola de futebol, fizemos os capacetes romanos que teriam o seu acabamento com uma pintura metalizada utilizando-se a tinta que fomos pedir, como oferta, a uma empresa local.
Os escravos tal como o prisioneiro viking vestiam-se com peles. Naquele tempo alguns comerciantes de carne do Mercado do Livramento matavam e esfolavam os coelhos e colocavam as peles a secar, em longas fiadas, num espaço ao ar livre na Rua Ocidental do Mercado. Certa noite, fomos lá “pedir emprestadas” umas peles para cobrir a nudez dos pobres escravos…
Para fazer as vistosas capas vermelhas utilizamos o tecido mais barato que encontramos no comércio local, o tafetá. Enquanto as sandálias foram confecionadas com cartão prensado, o conhecido platex e, seguradas aos tornozelos com fita de nastro.
Quanto ao Nero, uma colcha servia-lhe de manto e uma coroa de louros embelezava-lhe a cabeça enquanto uma harpa alegrava-lhe o dia. O palanque ia assente numa padiola transportada por dois possantes escravos. Tão fortes que não se cansaram com aquelas dezenas de quilos, é que a saia que cobria a padiola não deixava ver as duas rodas de bicicleta em que ela se apoiava…
O nosso grande receio era a chuva. Se ela caísse, mesmo com pouca intensidade chegaríamos em cuecas à nossa sede na Ordem Terceira de S. Francisco, dado que todo o equipamento se iria desfazer.
No último dia de carnaval o corso foi desfilar no Estádio do Bonfim e entreolhámo-nos apreensivos quando aquela nuvem escura, vinda de oeste, começou a despejar água sobre o recinto, precisamente na altura em que desfilavamos junto à lateral nascente, apenas levando com uns borrifos porque os deuses romanos tinham-nos protegido e a água caíra precisamente sobre a parte do cortejo que desfilava junto às bancadas poente.
As cerca de três dezenas de jovens escuteiros setubalenses não poderiam ter ficado mais contentes. Se o primeiro prémio foi para as simpáticas meninas da Escola Industrial e Comercial de Setúbal que desfilaram como majoretes o segundo coube-nos a nós com esta vistosa e bem conseguida formação romana.
Tal foi o sucesso desta iniciativa que as imagens fotográficas captadas, durante muitos anos ainda serviram para publicitar o Carnaval de Setúbal, cuja tradição praticamente se viria a perder no tempo, restando agora uns insípidos desfiles de crianças do ensino pré-escolar.
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