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domingo, 2 de novembro de 2014

Muito obrigado meus amigos setubalenses

Nasci no século XVIII em Setúbal, na Praça Machado dos Santos, que o povo gosta de designar como “Fonte Nova”. Um espaço amplo onde a água leve e pura vinda de uma nascente ali de perto corria pelas duas bicas da monumental fonte que ainda hoje se encontra na minha frente, embora agora jorrando o líquido, em circuito fechado, fornecido pelas Águas do Sado.

Foi José da Rosa Guião e Abreu o responsável pelo meu nascimento, daí que todos os meus amigos me começassem a conhecer por “Palácio Feu Guião” ou do “Adeantado” coisa que ele nunca foi, embora tivesse exercido com zelo as funções de competente Desembargador.

Tal como todos vós, aquando jovem, era não só forte e bonito, mas também muito apreciado entre os meus conterrâneos. Alguns artistas que não sendo setubalenses aqui se deslocaram para fotografar e gravar a minha imagem na tela.

Os anos passaram, o meu progenitor morreu, fui entregue a outros e o peso dos anos a que se juntou um grave acidente começou a dar cabo de mim. Sim, aquele violento tremor de terra que me deu cabo de parte da “cabeça” perdão, do telhado, da ala sul, foi o princípio do fim.

Foram várias as vicissitudes porque passei ao longo da vida. Imaginem que após a revolução de 25 de abril de 1974 foram muitos os que se aproveitaram de mim e transformaram-me desde casa de teatro até armazém de ferro-velho.

Vocês imaginam como é, serviam-se à grande e à francesa, mas tratar cá do velhote, tá quieto!...

A minha aparência digna foi-se esvaindo e cheguei ao princípio de outubro de 2014 num tal miserável estado que nem me reconhecia. Mas… o que mais me desgostava era que os meus próprios conterrâneos olhavam para mim e comentavam com muita pena por me verem neste lamentável estado.

Já quase não tinha a roupagem que alguns chamam de reboco, muito menos a cor dessa roupagem era visível e, na minha cabeça, em parte careca, nasciam uns esquisitos tufos de cor verde, imaginem!...

Foi então, com grande surpresa, que quase no final do mês de outubro vi colocarem umas peças de andaime e um pedreiro começar por reparar as minhas vestes, depois de consertadas as roupagens trataram de me pintar e, nem queiram saber como fiquei bonito!

Embora continuando a ser um velho e sem forças, hoje sinto-me como novo. Os meus conterrâneos voltaram a gostar de mim, agora os seus comentários são agradáveis e eu sinto-me como se tivesse renascido.

Há apenas um senão, é que não consigo agora encarar alguns dos meus nobres irmãos, nomeadamente o mais velho, o João Palmeiro, ele que dedicou toda a vida a cuidar dos outros e hoje não tem quem se digne dar-lhe sequer um simples banho.

Será que é pedir muito aos meus benfeitores que despendam meia dúzia de euros e dispensem aos meus irmãos o mesmo tipo de tratamento? Como eu gostaria e como lhes agradeceria!...

Rui Canas Gaspar
2014-novembro-02
www.troineiro.blogspot.com


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