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terça-feira, 19 de janeiro de 2016

No tempo dos “patos bravos”

Lembro-me que há algumas décadas havia o hábito de rotular de “patos bravos” alguns construtores civis, pessoas que embora não estivessem devidamente habilitadas tecnicamente conseguiam ganhar concursos e construíam um pouco por todo o lado, sem se preocuparem muito com a qualidade, segurança e demais regras que hoje são exigidas por Lei.
Costumavam dizer nesse tempo, a propósito da garantia dos trabalhos executados, que a mesma era válida até receber o dinheiro, como que a dizer que: “quem vem atrás que feche a porta” ou seja, uma desresponsabilização total.
Enquanto havia dinheiro, os “patos bravos” eram os melhores clientes de restaurantes caros, discotecas e as meninas não lhes faltavam.
Quando queriam construir e necessitavam do dinheiro para iniciar a obra iam ao banco contrair um empréstimo. Antes porém, compravam um fato novo e um mercedes, sinais exteriores de riqueza com que geralmente impressionavam o gerente bancário que acabava por lhes conceder o necessário financiamento.
As obras geralmente tinham de dar “meio por meio” pelo menos e para tal era frequente fugir-se à qualidade e até os projetos eram de certo modo feitos à medida do “pato bravo”.
Era comum brincar-se com a fórmula de fabrico da argamassa dizendo: “ um de areia, um de areal e outro do mesmo material” ou seja, o cimento porque era mais caro por vezes era quase esquecido.
Quanto à fiscalização camarária, dado que todo o mundo se dava muito bem e os fiscais eram bem recompensados pela sua natural miopia, doença que se estendia a outros setores, originava que os “patos bravos” proliferassem e se movessem com natural à vontade.
Durante vários anos convivi de perto com esta realidade e talvez por isso não deixo de sorrir sempre que passo pela Avenida Alexandre Herculano, tal como pelas obras inacabadas mais a montante e vejo a forma de organização do trabalho, com os separadores de transito colocados de qualquer maneira, máquinas parqueadas como calhar, trabalhos começados e não concluídos, desrespeito total pelos utentes da via e um sem número de atropelos que julgava eu que não voltaria a ver no meu país.
E acabo por sorrir ao lembrar-me dos “patos bravos” e daqueles tempos em que a legislação era ineficiente, em que a fiscalização praticamente não funcionava, em que o povo era mais inculto e por ai fora…
Hoje não é assim, temos empresas modernas que cumprem a lei, fiscalização que fiscaliza, trabalhos que são executados com perfeição e até técnicos devidamente habilitados e lúcidos que nos brindam com excelentes obras de arquitetura que são o orgulho da cidade e elogiadas pela generalidade dos seus habitantes.
Ainda não consegui perceber porque é que cada vez que passo pela Avenida Alexandre Herculano, na minha querida cidade de Setúbal, me vem sempre à mente aqueles velhos tempos dos “patos bravos”.
Rui Canas Gaspar
2016-janeiro-19

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