Prefiro estar de olhos
vendados!
Prefiro
assim! Não quero ver a placa toponímica que está na minha frente. Ela ostenta o
nome de Paulino de Oliveira, o tal escritor e poeta, senhor muito conceituado e
dito defensor do povo, que não se coibiu de pegar num chicote contra as
mulheres operárias conserveiras como eu.
Sua
esposa, Ana de Castro Osório, também era uma defensora dos direitos das
mulheres, mas, de umas mais do que outras e se essas mulheres fossem operárias
como eu os direitos não seriam os mesmos daquelas senhoras letradas e da classe
alta.
É
bom não esquecer que esse tal Paulino de Oliveira e sua mulher “defensores” dos
trabalhadores trataram de organizar um grupo de fura-greves para nos fazer
frente quando aquilo que pedíamos aos patrões era um aumento de salário
insignificante.
A
força bruta estava ao lado do patronato e logo trataram de enviar a recém-formada
Guarda Nacional Republicana e mais um navio de guerra que fundeou no Sado para
nos reprimir de forma anormal e por demais violenta.
Tentei
lutar com a força da minha razão, tal como as minhas companheiras conserveiras,
mas a brutalidade sobrepôs-se à nossa razão e aprisionaram muitas das nossas
companheiras e companheiros, feriram outros e a um jovem operário e a mim mesma
mataram-nos.
A
greve terminou e em vez de aumento diminuíram-nos o pouco que recebíamos e
fizeram-nos trabalhar mais tempo ainda. Tempos de miséria!
Tudo
aconteceu nesta laboriosa cidade de Setúbal em 1911, apenas um ano depois da
queda da Monarquia e da implantação do regime republicano.
Passados
todos estes anos, a bela cidade do rio azul, decide honrar as conserveiras e a
sua luta por melhores condições de vida. Para perpetuar a memória fizeram esta
estátua e colocaram-na numa das mais características zonas de Setúbal, a
popularmente conhecida Fonte Nova.
Mariana
Torres é o meu nome e aqui represento todas essas valentes e esforçadas
mulheres conserveiras. Mas, por favor, embora já lhe tivesse perdoado bem como a sua esposa, não me tirem a venda dos olhos
porque sinceramente desgosta-me ter de ver o nome de Paulino de Oliveira colocado
na placa toponímica mesmo na minha frente.
Rui
Canas Gaspar
2016-março-fevereiro
www.troineiro.blogspot.com
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