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quarta-feira, 2 de março de 2016

Prefiro estar de olhos vendados!

Prefiro assim! Não quero ver a placa toponímica que está na minha frente. Ela ostenta o nome de Paulino de Oliveira, o tal escritor e poeta, senhor muito conceituado e dito defensor do povo, que não se coibiu de pegar num chicote contra as mulheres operárias conserveiras como eu.

Sua esposa, Ana de Castro Osório, também era uma defensora dos direitos das mulheres, mas, de umas mais do que outras e se essas mulheres fossem operárias como eu os direitos não seriam os mesmos daquelas senhoras letradas e da classe alta.

É bom não esquecer que esse tal Paulino de Oliveira e sua mulher “defensores” dos trabalhadores trataram de organizar um grupo de fura-greves para nos fazer frente quando aquilo que pedíamos aos patrões era um aumento de salário insignificante.

A força bruta estava ao lado do patronato e logo trataram de enviar a recém-formada Guarda Nacional Republicana e mais um navio de guerra que fundeou no Sado para nos reprimir de forma anormal e por demais violenta.

Tentei lutar com a força da minha razão, tal como as minhas companheiras conserveiras, mas a brutalidade sobrepôs-se à nossa razão e aprisionaram muitas das nossas companheiras e companheiros, feriram outros e a um jovem operário e a mim mesma mataram-nos.

A greve terminou e em vez de aumento diminuíram-nos o pouco que recebíamos e fizeram-nos trabalhar mais tempo ainda. Tempos de miséria!

Tudo aconteceu nesta laboriosa cidade de Setúbal em 1911, apenas um ano depois da queda da Monarquia e da implantação do regime republicano.

Passados todos estes anos, a bela cidade do rio azul, decide honrar as conserveiras e a sua luta por melhores condições de vida. Para perpetuar a memória fizeram esta estátua e colocaram-na numa das mais características zonas de Setúbal, a popularmente conhecida Fonte Nova.

Mariana Torres é o meu nome e aqui represento todas essas valentes e esforçadas mulheres conserveiras. Mas, por favor, embora já lhe tivesse perdoado bem como  a sua esposa, não me tirem a venda dos olhos porque sinceramente desgosta-me ter de ver o nome de Paulino de Oliveira colocado na placa toponímica mesmo na minha frente.

Rui Canas Gaspar
2016-março-fevereiro

www.troineiro.blogspot.com

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