A solidariedade entre as
gentes do mar setubalenses
A
Capela do Senhor Jesus do Bonfim encontrava-se silenciosa. O seu interior, sem
ninguém, estava iluminado pela bruxuleante luz de algumas poucas velas de cera
que iam queimando lentamente quando a família ali entrou.
A
jovem senhora retirou o braço que a ligava ao esposo e, da sua mala de mão, tirou
a carteira de onde puxou uma nota de vinte escudos. Dobrou-a cuidadosamente em
quatro partes e entregou-a à criança que com a sua alva mãozinha a segurou
firmemente.
Seguidamente
rodearam o altar-mor subiram alguns degraus e o menino depositou a generosa
oferenda naquela caixa metálica, com uma ranhura, que se encontrava na parte
traseira da base da imagem que os homens do mar setubalenses eram fieis
devotos.
Não
se tratava de cumprir uma normal promessa como habitualmente as pessoas do
Bairro de Troino costumavam fazer quando lhes era concedida uma qualquer graça
ou aquilo que consideravam um milagre.
Neste
caso, a família estava ali para agradecer por no mês anterior a “Truta” o barco
onde o jovem pescador estava embarcado, ter feito uma excecional pescaria e,
como tal, ele ter recebido de “quinzena” e de “peixe de fora” muito mais dinheiro
do que era habitual.
O
casal tinha poupado um conto de reis ou seja, mil escudos, e acordado que com
todo aquele dinheiro deveria comprar um cordão de ouro. Uma segurança para
quando chegasse o Inverno e os meses de defeso da pesca da sardinha tivessem um
objeto de valor para poder empenhar em caso de necessidade.
O
ouro era o refúgio das gentes do mar, a segurança possível de terem de comer
naquele período de invernia quando os barcos não podiam fazer-se ao mar.
Os
jovens tinham acordado comprar o cordão e, como agradecimento ao Senhor do
Bonfim pela boa pescaria, o dinheiro que sobrasse dos mil escudos poupados
seria entregue como dádiva e depositado na caixa das esmolas da sua capela.
A
gratidão não era palavra vã para esta humilde família de pescadores, como
também não o era a solidariedade. Nunca tiveram necessidade de empenhar o
precioso cordão de ouro para terem o necessário para as suas necessidades. O
mesmo não aconteceu com uma família amiga e vizinha do Bairro de Troino onde
nasceram e residiam.
Nessa
altura crítica o cordão foi emprestado, sem qualquer contrapartida e, a família
necessitada empenhou-o recebendo o dinheiro necessário para se governar no
decurso naquele período difícil.
Mais
tarde ganhou o suficiente, foi desempenhar o precioso cordão e devolveu-o ao
jovem casal.
Era
assim a vida naqueles tempos difíceis, passados que foram meia dúzia de décadas.
Um período onde a gratidão a generosidade e a solidariedade entre amigos e
vizinhos não era palavra vã, naquele Bairro de Troino onde nasci e aprendi a
dar valor ao que tem realmente valor.
Rui Canas Gaspar
2015-março-25
www.troineiro.blogspot.com
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