A “aldeia” setubalense do
Rio da Figueira
Já
lá vão umas seis décadas quando o Francisco, num qualquer domingo de bom tempo,
vestiu a sua melhor roupa, a que não faltou um casaco atado na cintura, colocou
um chapéu na cabeça e decidiu quebrar um pouco da rotina, deixando de ir
conviver com os outros pescadores numa das inúmeras tabernas do seu bairro de
Troino para se dirigir quase para fora de portas, para a zona do Rio da
Figueira.
Naqueles
tempos do Estado Novo, a polícia, sobretudo a política e a fiscalização eram
omnipresentes e tudo era controlado. Até o simples acender de um isqueiro, sem ter
a devida licença, era alvo de coima.
O
Francisco, com os seus trinta anos de idade tinha uma boa aparência e a roupa
que sua preocupada e diligente esposa lhe preparara dava-lhe um ar nada
condizente com os homens do mar, mais se parecendo com um daqueles burocratas
ou fiscais que a população tanto temia.
Quando
o nosso homem estava prestes a chegar à taberna onde iria lubrificar a
garganta, já na Estrada das Machadas de Cima, foi dado o alarme por um dos clientes
que se encontrava à porta e logo o estabelecimento rapidamente se esvaziou. Vamos
lá nós saber porquê…
O
nosso “fiscal” bebeu um copinho de tinto deu meia volta e voltou para o seu
bairro, contando a peripécia à esposa e aos amigos.
Seis
décadas passadas paro a viatura no estacionamento das desativadas instalações
da Universidade Moderna, uns metros abaixo onde então existiu a tal taberna,
saio segurando a pequena máquina fotográfica tendo por objetivo observar
pormenorizadamente e fotografar o exterior do enorme edifício.
Um
pouco acima uns três homens observam-me atentamente, comentam uns com os outros
e vão-me seguindo com o olhar, mas agora perderam o receio e já não fogem do “fiscal”.
Por
aqueles lados e a meio da manhã pouca gente passa e muito menos nas traseiras do
grafitado e emparedado edifício. Porém, curiosamente seria precisamente nas traseiras
do mesmo que me cruzaria com duas pessoas que pareciam estar também a fazer um
reconhecimento ao imóvel.
Quando
acabei de contornar, verifiquei que entravam num automóvel identificado como
sendo de uma das conhecidas empresas setubalenses de pintura de imóveis.
E
cá fiquei eu a pensar com os meus botões naquilo que diz o meu amigo Ricardo
Soromenho, nascido para aquelas bandas, que o Rio da Figueira era uma pequena
aldeia dentro da cidade, também me veio à mente o episódio ocorrido há tantos
anos com o meu pai e fiquei igualmente a imaginar como ficaria agradável o edifício
repintado e ocupado dando mais vida à antiga “aldeia” do Rio da Figueira.
Será
que isto irá acontecer?
Rui
Canas Gaspar
2015-julho-06
www.troineiro.blogspot.com
Sem comentários:
Enviar um comentário