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quinta-feira, 30 de julho de 2015

Já comeu este ano a Bolacha Piedade?

Recebi a incumbência de comprar uma quantidade substancial de bolacha para enviar para a Irlanda, de modo a que um setubalense que ali se encontra a trabalhar a possa dar a provar a colegas de mais de meia dúzia de diferentes nacionalidades.

Como nem todos sabem a história desta especialidade, aqui vos conto um pouco do seu percurso.

“Corria o ano de 1855, Setúbal ainda não tinha sido elevada à categoria de cidade, quando nesta vila de pescadores nascia aquela que se tornaria a famosa e muito apreciada Bolacha Piedade.

De facto, aquele foi um ano de ouro para Setúbal. As suas conservas de sardinha alcançaram uma menção honrosa na Exposição de Paris, o jornal O SETUBALENSE começou a informar a população sadina do que por aqui acontecia e o Club Setubalense foi constituído como espaço de encontro da classe dominante da vila.

Acontecimentos que só por si são motivo para considerarmos como notável este ano, sem falar no facto de que foi por Decreto de 24 de outubro de 1855 que aconteceria a extinção dos concelhos de Palmela e de Azeitão passando os mesmos a ser anexados a Setúbal.

Calcorreando o chão de terra batida do recinto da Feira de Santiago, então com mais de quatro séculos de existência, realizada junto ao Convento de Jesus, apareceriam uns jovens vendedores, com tabuleiros pendurados ao pescoço que apregoavam bem alto um novo e delicioso produto: a Bolacha Piedade.

Este novo tipo de bolacha, que os setubalenses se habituaram a identificar com a Feira de Santiago, estaria presente desde 1855 até aos nossos dias em todas as edições da mesma, realizada em diversos pontos da cidade, desde a zona nascente da Rua da Praia (Av. Luísa Todi) à zona poente da dita avenida e finalmente ao Parque Santiago, nas Manteigadas.

Mas o que torna esta bolacha ímpar é a sua receita que se mantém como segredo de família, passado de geração em geração. É esta mesma família Piedade que se junta uns dias antes do início da feira para a confecionar, de forma a estar pronta para comercialização naquele que é o mais antigo certame do seu género a sul do Tejo.

As bolachas, um produto artesanal, são bastante rijas, umas mais tostadas que outras, são muito agradáveis ao paladar e têm um sabor a anis e a erva-doce o que as torna únicas e inimitáveis.

Esta delícia não se deve comer dando-lhe dentadas, se assim o fizermos estamos sujeitos a partir um dente, mas sim, partindo-a em pequenos pedaços que se vão saboreando devagar e calmamente.

Há pessoas que compram as bolachas na feira em quantidade suficiente para consumir ao longo do período que medeia entre este certame e o próximo. Pelas suas características elas não se irão deteriorar com o passar do tempo.

A Bolacha Piedade é um dos símbolos centenários da doçaria tradicional portuguesa, agraciada em 1982 com a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal, com produção que tem vindo a ser mantida ao longo de muitas décadas e cuja tradição manda que seja produto indispensável na Feira de Santiago.”

Texto do livro: “Setúbal – Gente do Rio Homens do Mar”

Rui Canas Gaspar
2015-07-30

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