Já comeu este ano a
Bolacha Piedade?
Recebi
a incumbência de comprar uma quantidade substancial de bolacha para enviar para
a Irlanda, de modo a que um setubalense que ali se encontra a trabalhar a possa
dar a provar a colegas de mais de meia dúzia de diferentes nacionalidades.
Como
nem todos sabem a história desta especialidade, aqui vos conto um pouco do seu
percurso.
“Corria o ano de 1855,
Setúbal ainda não tinha sido elevada à categoria de cidade, quando nesta vila
de pescadores nascia aquela que se tornaria a famosa e muito apreciada Bolacha
Piedade.
De facto, aquele foi
um ano de ouro para Setúbal. As suas conservas de sardinha alcançaram uma
menção honrosa na Exposição de Paris, o jornal O SETUBALENSE começou a informar
a população sadina do que por aqui acontecia e o Club Setubalense foi
constituído como espaço de encontro da classe dominante da vila.
Acontecimentos que só
por si são motivo para considerarmos como notável este ano, sem falar no facto
de que foi por Decreto de 24 de outubro de 1855 que aconteceria a extinção dos
concelhos de Palmela e de Azeitão passando os mesmos a ser anexados a Setúbal.
Calcorreando o chão de
terra batida do recinto da Feira de Santiago, então com mais de quatro séculos
de existência, realizada junto ao Convento de Jesus, apareceriam uns jovens
vendedores, com tabuleiros pendurados ao pescoço que apregoavam bem alto um
novo e delicioso produto: a Bolacha Piedade.
Este novo tipo de
bolacha, que os setubalenses se habituaram a identificar com a Feira de
Santiago, estaria presente desde 1855 até aos nossos dias em todas as edições
da mesma, realizada em diversos pontos da cidade, desde a zona nascente da Rua
da Praia (Av. Luísa Todi) à zona poente da dita avenida e finalmente ao Parque
Santiago, nas Manteigadas.
Mas o que torna esta
bolacha ímpar é a sua receita que se mantém como segredo de família, passado de
geração em geração. É esta mesma família Piedade que se junta uns dias antes do
início da feira para a confecionar, de forma a estar pronta para
comercialização naquele que é o mais antigo certame do seu género a sul do
Tejo.
As bolachas, um
produto artesanal, são bastante rijas, umas mais tostadas que outras, são muito
agradáveis ao paladar e têm um sabor a anis e a erva-doce o que as torna únicas
e inimitáveis.
Esta delícia não se
deve comer dando-lhe dentadas, se assim o fizermos estamos sujeitos a partir um
dente, mas sim, partindo-a em pequenos pedaços que se vão saboreando devagar e
calmamente.
Há pessoas que compram
as bolachas na feira em quantidade suficiente para consumir ao longo do período
que medeia entre este certame e o próximo. Pelas suas características elas não
se irão deteriorar com o passar do tempo.
A Bolacha Piedade é um
dos símbolos centenários da doçaria tradicional portuguesa, agraciada em 1982
com a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal, com produção que tem vindo a ser
mantida ao longo de muitas décadas e cuja tradição manda que seja produto
indispensável na Feira de Santiago.”
Texto
do livro: “Setúbal – Gente do Rio Homens do Mar”
Rui
Canas Gaspar
2015-07-30
www.troineiro.blogspot.com
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